Para alguns, os jogos eletrônicos são sinônimo de vadiagem e perda de tempo, um desvirtuamento do uso de tempo livre da criança, que poderia aproveitar estes momentos para o enriquecimento do saber por meios tradicionalmente comprovados de educação, como o estudo e a leitura. Para outros, os games também têm sua parcela de contribuição na formação do indivíduo, seja no processo de cognição, na elaboração de valores sociais, ou no aprendizado proporcionado pelas muitas camadas subjetivas existentes em um jogo.
As dúvidas quanto ao poder educativo dos jogos não são recentes e este recurso só passou a ser observado com mais seriedade a partir dos estudos de Jean Piaget, um epistemologista que estudou incansavelmente o desenvolvimento da inteligência humana, entre os onze e os oitenta e quatro anos, com inúmeros livros e artigos científicos.
De acordo com a teoria de Piaget (1964), em sua perspectiva educacional, o jogo se divide em elementos chaves que se complementam, como categorias de organização lúdica, auxiliando a cognição e o aprendizado.
Já no início da infância, as crianças elaboram Jogos Funcionais, pelo prazer da repetição de pegar, levantar, esconder etc, que servirão de bases para futuras categorias e operações mentais no desenvolvimento.
Os Jogos Simbólicos se caracterizam pela possibilidade de substituir o real pelo que é descoberto ou inventado, sem regras nem limitações, através de brincadeiras de faz-de-conta, histórias infantis, simulações ou fingimentos, com a clara intenção de melhor compreender o mundo que a cerca.
Por meio do Jogo de Regras, a criança adapta cada vez mais a imaginação simbólica à realidade. As regras representam o limite, que baliza a convivência entre as pessoas, oferecendo condições de solidariedade e compartilhamento.
Fica evidente, por meio destas descobertas, que o jogo é não apenas parte integrante do processo de aquisição de conhecimento, mas a melhor parte para as mentes mais jovens. Ao longo da vida, aprenderemos muito mais quando nos divertimos, propõe este conceito.
Corroborando as ideias de Piaget, o historiador holandês Johan Huizinga estabeleceu conceitos mais evidentes da relação entre jogo e educação, ou jogo e cultura, em sua obra “Homo Ludens” (1938), ao avaliar que o jogo é “uma evasão da vida real para uma esfera de atividade com orientação própria”. O autor também enfatiza o caráter lúdico do saber, ao comentar que já na Grécia antiga, “os tesouros do espírito eram frutos do ócio” e nos explica que “A palavra ‘escola’ […] originalmente significava ‘ócio’, adquirindo depois o sentido exatamente oposto de trabalho e preparação sistemática, à medida em que a civilização foi restringindo cada vez mais a liberdade que os jovens tinham de dispor de seu tempo”.
Como vemos, o processo de aprendizagem por meio do jogo formal está estabelecido e é reconhecido como recurso educacional de maneira incontestável, após as tantas pesquisas e observações científicas de Piaget, Vygotski, Huizinga e outros estudiosos. No caso dos games, as reações acadêmicas e populares de um modo geral parecem ainda resistir à ideia de que tais veículos possam ser contributivos para a formação de jovens e crianças.
Felizmente, um bom grupo de autores e pesquisadores vem dedicando-se a observar este fenômeno social e lúdico com a devida atenção, apresentando indicações surpreendentes quanto às possibilidades de aprimoramento individual e coletivo por meio dos games.
Confrontado com as dúvidas de pais em relação ao fascínio dos filhos pelas aventuras dos games, Seymour Papert descreveu-se, em 1981, como um otimista, frente à presença do computador como uma influência “poderosa sobre a mente humana”. “Sou muito consciente do poder envolvente da computação interativa”, observa. No trabalho realizado com crianças, ensinando a linguagem de computação LOGO, Papert demonstra as potencialidades do desenvolvimento de jogos eletrônicos, ao comentar que “inventamos versões de tais máquinas [pinballs] em que ideias poderosas sobre física, matemática ou lingüística foram incorporadas de uma maneira que permite ao jogador aprendê-las de forma natural, análoga ao modo como uma criança aprende a falar”.
De fato, mesmo no design dos primeiros games, o processo de apreensão de conhecimento parece se dar à revelia das propostas narrativas ou lúdicas do jogo, ou das críticas de seus detratores. Chris Crawford, designer de games para a geração Atari e autor de sucesso sobre o tema, já indicava, em 1982, a importância dessas ideias, ao inferir que, embora o designer de games tenha sua atenção voltada para o game como produto, “seu objetivo final é o de educar, entreter, ou edificar jogador, daí, ser o jogador o foco principal do designer”.
Para o autor, os games são o mais antigo e reverenciado veículo de educação. “Nós não vemos as mamães leão dando aulas aos filhotes usando o quadro-negro. À luz desse fato, a pergunta: ‘Pode jogos ter valor educativo?’ é completamente absurda”.
O professor brasileiro Alan Richard da Luz pondera igualmente, ao reconhecer o papel transformador dos jogos eletrônicos como alfabetizadores de toda uma geração informata, que surgiu e cresceu nas últimas décadas: “O vídeo game é uma nova mídia que ajudou a revolucionar a maneira como lidávamos com o computador, desenvolveu nossa cognição […] nossa percepção físico-espacial e ampliou a relação dos indivíduos com os meios digitais”, escreveu, em 2010.
O artigo português online “A influência dos videojogos no rendimento escolar dos alunos: uma experiência no 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico”, conclui, após detida análise que “ficou demonstrado que os videojogos não são prejudiciais para o sucesso escolar, uma vez que todas as turmas estudadas apresentam taxa elevadas de jogadores e também boas taxas de sucesso, o que nos leva a concluir que o facto de os alunos serem jogadores de videojogos não afecta o seu rendimento escolar”.
Para encerrar, aproveito o texto do célebre professor Sergio Bairon, da USP, em que afirma que “A educação, finalmente, parece que vai aprender que o melhor caminho é aquele que sempre esteve mais próximo: a semântica das brincadeiras de rua”.
Referências:
CURI, Fabiano. Nem só o “educativo” educa. Educação, São Paulo: Segmento, v. 10, n. 109, p. 70-73, maio 2006.
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/109/artigo233892-1.asp
MARQUES, A., Silva, B. D., & Marques, N. (2011). A Influência dos Videojogos no Rendimento Escolar dos Alunos: Uma Experiência no 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico. Educação, Formação & Tecnologias, 4(1), 17-27 [Online], disponível em http://eft.educom.pt/index.php/eft/article/view/206/137.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
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