No final do ano passado seria impossível vislumbrar um cenário como o atual, no qual os desenvolvedores independentes de games parecem encontrar cada vez com mais clareza seu foco e caminho para a consolidação de suas iniciativas, enquanto os grandes players do mercado demonstram desorientação ou falta de sintonia com as expectativas de sua base de usuários.
Ainda que esta visão seja generalista, já que nem todos os indies estão com o dia ganho e nem todas as grandes marcas de consoles/games se apresentem ‘mal das pernas’, o ambiente de negócios mostra uma faceta bastante intrigante e curiosa nos tempos atuais, que faz refletir sobre o futuro incerto desse mercado.
Apenas para contextualizar os menos envolvidos com a questão, temos visto nos últimos meses, alguns indicativos de estúdios já tradicionais na produção de jogos que encerraram suas atividades, a exemplo da Irrational Games, de Bioshock, em fevereiro passado, a Neversoft, agora em julho, empresa famosa pelos games de Tony Hawk, que passa a ser definitivamente incorporada à Infinity Ward para permanecer no segmento de Call of Duty, e também em julho, Airtight Games, estúdio criador de games como Murdered: Soul Suspect e Dark Void.
Não fosse isso o bastante, no mesmo período, assistimos às incertezas quanto ao perfil do console Xbox One, como produto de entretenimento eletrônico/media center, e o prejuízo de 457 milhões de dólares da Nintendo no ano fiscal de 2013-2014, assim como os rumores do lançamento de um novo console mais barato da marca.
Por outro lado, curiosamente, começam a brotar boas notícias de estúdios independentes e seus projetos de games (inclusive no Brasil), alguns claramente desafiadores às normas do mercado de games triplo-A. Nesse campo, projetos como o já extinto Flappy Bird, de Dong Nguyen, Ridiculous Fishing, ganhador do Design Award no Apple Worldwide Developers Conference 2013, e Rogue Legacy, famoso por aqui pela participação do brasileiro Glauber Kotaki na arte, são o ponto mais destacado de uma curva íngreme com boas promessas para os desenvolvedores independentes.
A questão central desse tema é que, diferente do panorama tradicional ao qual estivemos acostumados durante tantos anos no Brasil (e não necessariamente justo, admita-se), o cenário atual apresenta ao mesmo tempo oportunidades e incertezas para o mercado e, por extensão, para os desenvolvedores, mesmo aqueles que não dependem diretamente do sucesso dos consoles convencionais. Afinal, mesmo atuantes em ambientes distintos, o mal desempenho dos players tradicionais e o fechamento de estúdios consagrados trazem em seu bojo uma certa expectativa no mínimo menos otimista em relação aos jogos, como fenômeno cultural e como mídia. Embora possa soar como exagero ou uma visão apocalíptica para o momento, é fato que a bonança atrai interessados (ainda que especuladores), e notícias ruins sugerem precaução aos potenciais investidores.
“2014 será o melhor momento e o pior momento para desenvolvedores indie. Oportunidades não faltam para novos jogos e ideias, para chegarem ao mercado, mas fazer dinheiro com esse esforço será mais difícil do que nunca”, informava em janeiro o texto do site GamesIndustry.biz. “Indies que desejam ganhar a vida com sua arte precisam pensar sobre marketing, sobre monetização logo no início de seus projetos, ou associar-se a alguém que possa ajudar com essas áreas”, enfatiza o artigo.
“Eu não acho que seja bobagem dizer que haverá jogos indie mais bem sucedidos este ano do que jogos Triplo-A de sucesso”, profetizou Mike Bithell, conceituado criador dos games Thomas Was Alone e Volume, em fevereiro passado, em entrevista ao site VG247. Seu raciocínio reside na possibilidade, hoje já concreta, de os indie games ocuparem cada vez mais espaço nos próprios consoles tradicionais: “Eles desejam o próximo Minecraft, e se apoiarem a todos nós, em seguida, um de nós – acidentalmente – acabará realmente fazendo isso”, afirmou.
Tudo somado, talvez no microcosmo dos jogos independentes, dos advergames locais e dos projetos direcionados a alimentar a gama atual de consoles, sequer sofram qualquer abalo por conta das reviravoltas do grande mercado, e as produções menores continuem a fluir, garantindo a sobrevivência e fortalecimento dos pequenos estúdios.
Não deixa de ser curioso, no entanto, que, há não mais de três anos, pareceria imaginável uma cena do meio gamer como a atual, na qual independentes parecem emergir cada vez com mais força (e sites como Gamasutra e The Verge estão aí para ratificar estas ideias) e grandes empresas e estúdios de games não sabem para onde direcionar seus esforços.
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