Para Desenvolvedor do Piauí, mercado precisa de 'loucos' que arrisquem em temas nacionais

Região de dificuldades seculares, o Piauí é uma daqueles localidades que povoam o imaginário e, não raro, o preconceito dos grandes centros do país, lugar de contrastes e rico em histórias e mitos. É na capital piauiense, Teresina, que o Fundador e Diretor-Chefe de Tecnologia da Sertão Games, mantém um rigoroso processo de produção, para oferecer trabalho à sua equipe de profissionais e projetos de game para o público, que impressionam pela qualidade, como Cangaço, jogo lançado no início desse ano.

O Doutor Erick Passos

O Doutor Erick Passos

Doutor em Ciências da Computação, com formação parcial pelo MIT, Erick conversou com o Play’n’Biz por email, narrando as dificuldades de manter uma empresa de gamers em um canto extremo do país e muitas surpresas, como o fato de o estado ser uma referência em termos de qualidade de escolaridade e saúde. “O Piauí é uma espécie de caricatura do Brasil, com enormes desafios a vencer, e problemas ainda mais acentuados que a média”, comentou já no início da entrevista. “Por mais  incrível que possa parecer, a capital do Piauí é referência de qualidade em escolas de ensino médio (acompanhem continuamente resultados de Enem e outros indicadores) e serviços médico-hospitalares, e isso acaba expondo essa questão caricata que citei acima; as diferenças entre a capital e o interior são brutais: enquanto na capital temos boa qualidade de serviços e mão de obra pelo menos adequada, a situação no interior é bem complicada”, explica.

Fundar e manter uma empresa voltada às novas tecnologias para a produção de games parece, portanto, um desafio ainda maior, como observa o desenvolvedor: “Como em todas as regiões do país, sempre existem muitos jogadores, entusiastas e aficionados, mas não é tão comum encontramos pessoas que tenham experiência com criação. Existem muitos talentos escondidos, desde desenhistas, modeladores, até programadores e roteiristas, mas normalmente não haviam ainda criado um jogo e experimentado os detalhes que uma produção assim exige. O que acaba acontecendo é que viramos uma espécie de referência local, não apenas no desenvolvimento de jogos mas também como um exemplo de como empreender e arriscar criar algo novo e diferente em um local com tantas adversidades”.

‘Arriscar’, aliás, parece ser uma terminologia que não assusta o empreendedor, pois a produção da empresa se baseia no histórico e no folclore local, fugindo das fórmulas fáceis dos games, que envolvem ninjas, princesas, alienígenas e fortões de praxe: “Sei que gamers hardcore torcem o nariz para cultura nacional, e dizem que jogos são independentes de referências locais, mas isso é uma bobagem. Na prática, estamos consumindo cultura oriental ou norte americana o tempo inteiro, desde as roupas, músicas e lugares, até o comportamento e ideias de personagens de jogos como GTA. Então, acho importante, mesmo que por birra, que se criem produtos como o Cangaço ou o Aritana, que tão bem está representando outros aspectos da nossa cultura local”, assinala, para completar: “É importante historicamente sim [criar games com temas nacionais], apesar de que para o produto em si isso não seja fundamental, sendo apenas uma opção estética, quase uma insistência. A minha visão é que são preciso alguns “loucos” como nós para, de vez em quando, criar um produto assim, arriscando, para registrar certos episódios, lugares ou culturas nesses formatos de mídia mais modernos”.

Cangaco Artes

Imagens do Jogo

Cangaço é um jogo do tipo RPG Tático, que mistura conteúdo narrativo próprio dos RPGs para a saga do herói com sistema de movimentação e combate em tempo real, dos games RTS. A abordagem do game se passa inteiramente no sertão. “Tivemos a sorte de encontrar um especialista no assunto, que atuou como consultor na criação do produto”acrescentou Erick, no bate papo. “Claro que tomamos várias licenças poéticas para poder criar um jogo interessante, mas a essência da narrativa, dos trajes, das feições, nomes, lugares e cenários está associada ao período histórico. Um dos componentes do time (Décio, também modelador e animador) foi responsável por escrever as estrofes que contam as histórias nas campanhas single player, com base no lore que criamos. Esse lore procurou se basear nos tipos de intrigas e situações reais do período, mas foram bolados em um arco para contemplar fases, mini-bosses etc”.
O jogo deverá contar com eventuais expansões e um modo multiplayer que tornará as batalhas mais instigantes e competitivas, fazendo com que o modelo tático de ação seja explorado ao limite do jogo. “Ainda serão disponibilizados updates periódicos. O modo multiplayer ainda está em beta, e a última campanha single-player também será incluída apenas na próxima versão. Também estudamos possibilidades como o lançamento de um livro de arte e um jogo de cartas com base no tema do jogo. Mas isso ainda são ideias”, adianta o designer.

Em relação ao futuro, aliás, Erick admite que há ideias em andamento, mas faz mistério com os trabalhos a serem lançados: “Temos algumas coisas na gaveta, que já foram experimentadas em forma de protótipos jogáveis, mas ainda não foi fechado qual delas será a próxima a ser levada adiante. Essas ideias vão desde dois jogos mais casuais para mobile e tablets (com temáticas mais globais) a um produto mais ambicioso ainda que o Cangaço, envolvendo outros nomes da indústria de jogos nacional”. Pressionado, o desenvolvedor afirma apenas que é uma grande aposta do estúdio. Parte de sua ousadia se explica pela forma como enxerga o mercado nacional de games, que acredita estar no caminho certo para estourar globalmente: “Falta-nos apenas um super-sucesso internacional. Já temos alguns sucessos no cenário independente, como o Knights of Pen and Paper, mas um sucesso mais main-stream também poderia ser motivante para uma garotada que está aí aprendendo a entrar nesse meio”. A julgar pelas recentes notícias em relação a Toren, game da Swordtales que receberá versão para a plataforma PS4, da Sony, as projeções de Erick podem estar a um passo de se cumprirem.

Imagens de Playtest do Jogo

Imagens de Playtest do Jogo

De fato, para ele, contamos com toda as possibilidades para um crescimento consistente do desenvolvimento nacional: “Arriscando um pouco numa análise histórica, acho que somos parte de uma terceira onda de criação de jogos no Brasil. Existiram os precursores, a partir da década de 80 e, em seguida, as experiências um pouco maiores com empresas no final dos anos 90 e início dos 2000. Atualmente, existe uma nova leva de estúdios, com uma maior diversidade de modelos de negócio e estilos. Infelizmente, nem sempre buscamos conversar com quem já passou por tudo isso, e perdemos a chance de aprender com o erro de outros. Mas o cenário parece ser bem mais promissor que a alguns anos”, sentencia.

Cangaço está entre as produções de destaque no cenário nacional e seu idealizador não esconde o entusiasmo com as previsões para as novas modalidades do projeto: “O feedback tem sido o melhor possível. Aqui e ali recebemos uma dica de pequenos bugs, que buscamos corrigir e disponibilizar através de um update. O volume de vendas tem sido interessante, mas esperamos atingir maiores números com a introdução dos modos multiplayer e da versão internacional via Steam Greenlight”.

Cangaço está entre os games pré-selecionados para o Festival de Jogos do SBGames 2014 e, no que depender de seus produtores, nossa expressão cultural brasileira tem tudo para se tornar uma nova referência mundial nos games: “Queremos mostrar que o que criamos é interessante e diferente. E acreditamos que o principal agente disso tudo é o próprio produto”.

O jogo está à venda por um preço ultra camarada no site SplitPlay e mais informações podem ser acompanhadas diretamente no site do jogo, em Cangaco.com.

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  1. Cangaço | camaleaodigital.com.br

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