Como definir a Cultura de um povo e de um país?
Como atestar que uma determinada forma de expressão ou arte deve ser interpretada como Cultura ou não?
Estas são apenas algumas das questões que vêm à mente quando entramos no pantanoso terreno das definições sobre Games como uma manifestação da Cultura. Aqui no Brasil, especialmente, o tema já foi centro de grandes comoções em virtude das infelizes declarações da hoje ex-ministra Marta Suplicy, para quem os games definitivamente não correspondem ao ideial de Cultura. Mas a senadora está absolutamente enganada e manifestações públicas sem embasamento e preconceituosas como as que fez apenas dificultam ainda mais esta linguagem de alcançar um patamar mais elevado de respeitabilidade no âmbito geral das Culturas e das Artes.
Mas de onde nasce a ideia de Cultura?
Entre as muitas respostas possíves, vela atentar para as definições de Norval Baitello, para quem “o defrontar-se com a morte trouxe ao homem a invenção da cultura, o desenvolvimento de mundos e formas paralelos, ficcionais, conduziu-o às regras de jogos imaginativos e aos espaços e tempos do lúdico, nos quais, com os quais e para os quais este mesmo homem passou a viver, reinventando-se a si mesmo”. O pesquisador ainda estabelece que os seres que ele cria nesta realidade paralela passam a determinar a vida do homem, na forma de deuses justiceiros, reparadores, titânicos e onipotentes.
Se a ideia serve para determinar a criação de um panteão mitológico ou definir nossas crenças, se enquadra igualmente nas definições de uma imersão digital, por meio da qual podemos vivenciar narrativas complementares para nossa vida, da mesma forma como acontece durante a leitura de Proust ou da contemplação de um um longa de Ridley Scott.
Janet Murray também defende pensanmento similar a partir das impressões de Samuel Taylor Coleridge (e já apresentado nesse texto) ao afirmar que “quando entramos em um mundo ficcional, fazemos mais do que apenas ‘suspender’ uma faculdade critica, também exercemos uma faculdade criativa”.
Para Filomena Moita, “Os videojogos parecem possibilitar uma inserção cultural, ainda que virtual, não muito diferente das
experiências vividas como os jogos ‘tradicionais’”. A autora afirma, em seu breve ensaio Juventude e Jogos Eletrônicos que “tais jogos parecem oferecer àqueles que o manipulam a possibilidade de se inserirem pela via da fantasia em uma ‘realidade’ mais rica de emoção do que aquela que poderiam encontrar em suas próprias experiências, particularmente quando estas não correspondem as suas potencialidades criadoras”. É Jesper Juul quem tornará evidente a conexão entre os jogos tradicionais e os digitais, ao sustentar que, mesmo sendo manifestações culturais recentes, os games herdam muito de sua linguagem não do cinema ou do livro impresso, mas da milenar tradição de jogos, tidos com “modelos estruturais e relativamente invariantes e universais estocados na tradição cultural”. Esta vivência digital não será diferente, portanto, do enlevo proporcionado pela poesia. Ou este pensamento é exagerado? Não para o semioticista Ivan Bystrina, que atesta em seus Tópicos de Semiótica da Cultura que “os jogos têm a finalidade de nos ajudar na adaptação à realidade, além de facilitar sobremaneira o aprendizado, o comportamento cognitivo”. Se, como afirma Norval Baitello, a cultura é a posterização de nossa humanidade frente à inevitabilidade da morte, como desqualificar o papel educador e cultural dos jogos. E, na mesma linha, se a ideia vale para jogos, porque não para os digitais?
Se no passado recente a ex-ministra desdenhou a qualidade e a importância dos jogos como fenômeno cultural brasileiro, sua fala não corresponde às impressões da pasta em gestões anteriores. Foi, de fato, com o ex-ministro Gil e com o recém (re)empossado ministro Juca Ferreira, que pela primeira vez um programa nacional de cultura voltou-se para as mídias de entretenimento eletrônico, com o BR Jogos. Gilberto Gil, aliás, ao receber o cargo em 2003 teria uma fala extremamente inclusiva às mídias em geral, ao propor a “Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico”. Um ano mais tarde, no discurso proferido na abertura da EGS em 2004, o ministro afirmaria que “O Brasil inventou seus próprios jogos, como o jogo de capoeira. O jogo e a brincadeira fazem parte de nosso dia a dia. Não seria diferente com os jogos eletrônicos”.
Se o conceito de cultura pode ser interpretado antropologicamente a partir das acepções do britânico Burnett Tylor, que em 1871, na obra Primitive Culture conferiu ao termo o sinônimo de civilização, identificando-o, no sentido de capacidade intelectual que se desenvolve por meio de diferentes manifestações, como um “complexo de conhecimentos, crenças, artes, leis, moral, hábitos, costumes e capacidades adquirido pelos homens como membros de uma sociedade”, e, paralelamente, Johan Huizinga defende que “a relação entre cultura e jogo torna-se especialmente evidente nas formas mais elevadas dos jogos sociais [sendo que] desde o início que se encontram no jogo os elementos da civilização, resta-nos esperar que as lideranças culturais da atualidade possam se dar a oportunidade de melhor conhecer estas manifestações e conferir a esta Cultura sua devida importância no contexto atual.
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