Os games como linguagem, Videogames na Terceira Idade – Por Jaderson Souza e Tainá Felix

É fato que os jogos digitais, mais comumente chamados de videogames, estão presentes no dia a dia de muitas crianças, jovens e adolescentes. Menos evidente e emoldurando nossas ações do cotidiano, temos o próprio conceito de jogo. Eu jogo, tu jogas, ele joga. Sim! Conforme colocado por Johan Huizinga, filósofo mais recorrente nas pesquisas acerca da compreensão do conceito de jogo, ainda em 1938, “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”.

Nos últimos cinco anos, temos nos dedicado à realização de atividades que favorecem a construção de conhecimento a partir de nosso objeto de pesquisa, os jogos digitais. Em tempos em que discutimos a qualidade da educação em nosso país, é interessante incentivarmos nossas crianças a construir saberes a partir de uma linguagem que compreendem tão naturalmente quanto o ar que respiramos. Assim, atividades mediadas por professores e que trabalham diversas questões – como o trabalho em equipe, exercícios físicos e até a prevenção ao alcoolismo –, são criadas e apresentadas aos nativos digitais (PRENSKY, 2007), pessoas que já nasceram com o advento de tecnologias como a internet, celulares, tablets e videogames.

Até então, tudo funciona muito bem na lógica aristotélica. Mas e se invertêssemos os papéis e pensássemos na relação entre os jogos digitais e a terceira idade? E se os imigrantes digitais (PRENSKY, 2007), pessoas nascidas antes dos adventos tecnológicos citados, pudessem compreendê-los e utilizá-los em seu dia a dia? Haveria interesse? Ao contrário do que poderíamos imaginar, tais respostas mostraram-se surpreendentes – e estão muito além de simplificarmos os games em meras ferramentas.

Apresentamos nosso ponto de vista e considerações com base em duas atividades desenvolvidas por nós e incluídas atualmente em nosso cardápio de atividades. O “Chá com Games: Games para a Terceira Idade” trouxe uma proposta de integração da terceira idade com o mundo dos jogos digitais. A partir da dualidade vivência-reflexão, tivemos durante dois meses de atividades sessões que misturavam a vivência com videogames e boas conversas – regadas a chá – acerca do conceito de jogo e suas aplicações no dia a dia.

Realizado com a unidade do Sesc Ipiranga, o curso teve um razoável número de inscrições ao seu início, as quais se reduziram consideravelmente ao longo do percurso. Naturalmente, o interesse das pessoas por algo bastante novo seria restrito. Contudo, as participantes que se permitiram dar tempo aos novos experimentos fizeram parte de um incrível espaço de troca de experiências e conhecimentos.

Curiosamente, o quórum foi 100% formado por mulheres. Trazendo consigo toda sua bagagem de vida, elas se surpreenderam com o conteúdo do curso, que, além da vivência, trazia o conceito de jogo absolutamente ligado à própria vida. “Eu nunca pensei que iria aprender sobre isso um dia!”, disse uma das participantes. Assuntos como atenção, memória, resolução de problemas e a relação da terceira idade com os jogos foram abordados a cada semana, incentivando as próprias participantes a trazer informações e materiais para o encontro, como revistas e jornais, por exemplo.

Após alguns encontros, muitas participantes relataram que haviam perdido o medo de brincar com seus netos “naquelas máquinas estranhas” e que agora passariam a se aventurar com eles. Outras ainda revelaram que ao jogar se esqueciam de tudo e o mundo parecia-lhes mais leve: “Isso aqui é pra ficar muitas horas, até queimar o feijão!”. Além disso, todas concordaram que os games poderiam deixá-las mais concentradas e atentas, caso fossem praticados frequentemente.
Também realizada com o Sesc Santana, a intervenção “Exergames para a Terceira Idade” foi conduzida ao contexto específico do treinamento corpóreo, buscando pensar e exercitar o corpo em sua completude de ações e pensamentos. Realizada em parceria com o espaço da academia, a proposta buscou apresentar uma experiência diferente e inovadora ao treino semanal dos participantes, enfatizando o teor intergeracional da programação da unidade.

Com os chamados Exergames, games controlados com movimentos corporais e que privilegiam a prática de exercícios físicos, foram apresentadas pontualmente questões como equilíbrio, coordenação motora, ação e reação e treinamento cardiovascular. Além de demonstrar a possibilidade da prática de exercícios de maneira lúdica, tivemos a preocupação em apontar o relacionamento dos videogames com tais aspectos relacionados a saúde e bem-estar.
Novamente, o público predominante – praticamente 100% –, foi composto por mulheres. “Vamos fazer exercícios com a televisão? Como assim?” Algumas indagaram. Rapidamente, o estranhamento tomou ares de curiosidade e sede por novos conhecimentos: “Como funcionam esses sensores? Posso ter um desses na minha casa?”

Nesta ocasião, pudemos observar algumas semelhanças e diferenças relevantes quando nos referimos ao treinamento sistemático feito geralmente nas academias e o treino livre que propusemos ao público da terceira idade. Por estarem acostumados com o sequenciamento de exercícios dentro do ambiente da academia – importante processo advindo das metodologias de treinos do corpo –, algumas sentiram dificuldade na compreensão do espaço proposto por nós como livre. A partir desse estranhamento, dosar o nível de liberdade e sistematização tornou-se fator importante para a compreensão de que seria possível exercitar-se a partir de novas tecnologias como os games e especialmente contando com a mediação de profissionais especializados.

Vivências como essas nos mostram o quanto o campo dos jogos digitais é imenso e como pode apresentar cultura e novos saberes àqueles que se permitem “pelos jogos serem jogados” (PETRY, 2010). Por um lado, estudos da área de cognição mostram que os jogos digitais podem ser grandes aliados da terceira idade, apresentando exercícios para a memória, lógica e reflexos. Apoiados na teoria da plasticidade cerebral e em estudos que apresentam resultados quantitativos, concordamos que os games podem mobilizar diversas faculdades mentais e treiná-las.

Com a geração de games de movimento, também pode-se treinar o corpo, como o equilíbrio, coordenação motora, reflexos ou até mesmo funções cardiovasculares. Muitos são os exemplos espalhados pelo mundo dessa prática pioneira. Nos Estados Unidos, já existem torneios de boliche digital em casas de repouso de vários estados do país. Os benefícios físicos no treinamento com os games de movimento são visíveis se praticados diariamente e com a presença de profissionais capacitados.

A integração geracional também é algo previsto e notável. Tomando os games como linguagem, a terceira idade pode se aproximar mais dos nativos digitais – seus netos e (possivelmente) filhos –, criando-se uma relação oportuna à construção de saberes por ambas as partes por meio da educação informal.

A relação entre games e a terceira idade nos traz algo além dos treinamentos cognitivo e motor. Ainda que os games sejam funcionais e divertidos, pode-se facilmente cair na tentação de torná-los meras ferramentas. Tomados como arte, temos uma relação de tenra liberdade, de conhecimento sendo construído de maneira surpreendente, algo parecido com o que as crianças sentem quando se deparam com algo inédito. Um suspiro de coragem… e algo novo é experimentado. Uma nova reflexão sobre o que realmente é o jogo, e uma experiência de sua adolescência agora parece fazer todo sentido. Na vivência com games, conhecimentos são construídos, tais como ocorrem em um objeto de arte: os games fogem das mãos de seus próprios criadores (STEIN, 2011), e a terceira idade, após uma vida de vastas experiências, ao embarcar no universo dos jogos, parece até poder atingir, novamente, a primeiridade.

Referências
HUIZINGA, JOHAN. Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura. Ed. Perspectiva, 2008.
PETRY, ARLETE DOS SANTOS. O Jogo como Condição de Autoria e da Produção de Conhecimento: Análise e Produção em Linguagem Hipermídia. Tese de Doutorado realizada pela PUC-SP, 2010.
PRENSKY, MARC. Digital Game Based Learning. Ed. Paragon House, 2007.
SANTAELLA, LUCIA. O Que é Semiótica. Ed. Brasiliense, 2003.
SOUZA, JADERSON. Paradigm Shift: Uma Aventura em Busca do Jogo. Dissertação de Mestrado realizada pela PUC-SP, 2011.
STEIN, ERNILDO. Pensar e Errar – Um Ajuste com Heidegger. Ed. Unijuí, 2011.

são sócios da Game e Arte. Jaderson Souza é Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (com apoio de bolsa CAPES) e especialista em Produção e Programação de games pelo SENAC-SP. Tainá Felix é formada em Comunicação das Artes do Corpo pela PUC-SP.
Este artigo é uma reprodução do texto originalmente criado para a Revista E, do Sesc SP.
 

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