A Kaipora Digital é um dos muitos estúdios de criação de games, sediado em Campina Grande, na Paraíba, em busca de oportunidades para sobreviver no restrito mercado brasileiro de jogos. Em 2012, após um primeiro contato com a Tv Escola, Rodrigo Motta, mentor da empresa e designer de games, deu início, junto com sua equipe, à produção dos games que compõem o pacote de ações educativas do projeto Chico na Ilha dos Jurubebas, agora já em processo de distribuição para escolas da região.
Chico na Ilha dos Jurubebas é uma série transmídia composta por 13 episódios, 13 jogos e 13 fascículos educativos para um público de 4 a 6 anos, em fase de alfabetização. Que todos os jogos são gratuitos, podem ser jogados online direto do navegador (html5), que poderão ser baixados pra PC, Android e iOS, e que haverão mais 4 séries de 13 jogos cada, abordando outros temas e outros personagens. Já estamos desenvolvendo a segunda temporada de Chico na Ilha dos Jurubebas que será um jogo com mais cara de videogame, será um jogo de plataforma com 13 fases, onde o jogador controlará o Chico por aventuras em toda a Ilha dos Jurubebas.
Em conversa com o Play’n’Biz, Rodrigo apresentou, com bom humor e muito entusiasmo, mais detalhes sobre este importante projeto e o momento profissional ascendente da Kaipora Digital, empresa já renomada pela criação de Xilo, indie game vencedor do SBGames em 2011 e apresentado com destaque no Festival Games Brasil, em maio de 2013.
Play’n’Biz – Rodrigo, conte como foi a aproximação da Kaipora Digital com esse projeto da Tv Escola.
Rodrigo Motta – O primeiro contato que tivemos com a TV Escola foi na Campus Party de 2012 em Recife. Naquela Campus eu fui apresentar um pouco do Xilo, nosso game indie sobre o folclore nordestino que gerou interesse deles. O pessoal da TV Escola naquela época tinha uma ideia diferente, eles pensavam em fazer uma store educacional e adquirir licenças de jogos com temas educativos e culturais pra distribuir nesta store. Apesar da ideia ser muito legal, não vingou porque seria difícil decidir que jogos iriam para essa store. Eles partiram então pra ideia de fazer editais de fomento de produtos próprios, com propriedades intelectuais desenvolvidas para eles. No ano seguinte participamos desse edital juntamente com a produtora Cara de Cão, do Rio de Janeiro, e fomos contemplados, sendo o primeiro produto nesse formato, uma série transmídia com animação, jogos e material educativo.
P’n’B – Qual a participação efetiva do estúdio nesse projeto tão complexo? Fica estritamente no desenvolvimento dos games (e do site)?
RM – De certa forma sim, nossa responsabilidade é desenvolver os jogos e a plataforma online (ou seja, o site). Porém, a gente também fez um trabalho paralelo que foi meio que formatar o processo como essas coisas devem acontecer, falo em termos de tecnologia, de engines, de pipeline, etc. Meio que modelamos como deveria ser o desenvolvimento destas séries, já que são cinco séries deste tipo e o que fizemos nessa primeira temporada será referência para as futuras.
P’n’B – Como são concebidos os jogos e como se dão as resoluções do que deve ser utilizado ou não nos games? A direção geral do projeto decide sozinha ou pondera a partir da expertise do estúdio?
RM – Nesta primeira série, o conceito de cada jogo não foi criado por nós. Os conceitos partiram de uma grade conceitual já definida pelas especialistas pedagógicas, ou seja, existia uma grade com diversos conteúdos, como rimas, separação silábica, listas, etc. E a base dos jogos partiu de jogos de tabuleiro/físicos populares. A partir daí nós fizemos o design completo dos jogos, ou seja, como cada um ia abordar os temas, como seriam inseridos os recortes de narrativa com base na série, desafios, recompensas, etc. Todas as decisões mais complexas eram ponderadas por todos, pois as vezes a solução proposta por uma parte não era divertida, ou não tratava o tema corretamente, etc. Sempre foi um trabalho com revisões e discussões bem interessantes.
P’n’B – Quais são os caminhos para transformar um game em uma experiência que seja ao mesmo tempo lúdica e educativa, sem se tornar desinteressante?
RM – Nós acreditamos que todos os jogos ensinam alguma coisa. A diferença de trabalhar com jogos educativos é que nós temos um conteúdo claro que deve ser passado. A partir deste conteúdo nós tratamos de encaixar o jogo com a narrativa da série, pois nesse momento vale a pena usar de todos os recursos disponíveis: desde a dinâmica do jogo ser divertida, até o carisma dos personagens, a estética do jogo, a dublagem e som. Todo esse conjunto de recursos audiovisuais atrelado ao desafio que propomos à criança faz com que eles joguem o jogo e nem se importem se aquilo é um “exercício da escola”. Com todas as crianças que testamos os jogos em nenhum momento sequer foi questionado, por exemplo, porque eles devem fazer o que os jogos propõem ao invés de atirar, pular na cabeça, etc, dinâmicas comuns de jogos para entretenimento. Simplesmente pra eles é mais um jogo legal pra jogar, como tantos outros que eles jogam na internet, no celular etc.
P’n’B – Quantos profissionais estão diretamente envolvidos na produção dos jogos? O projeto é capaz de bancar a manutenção de toda a equipe ao longo da produção dos jogos?
RM – Essa pergunta é bem interessante do ponto de vista de gerenciamento de um estúdio. Foram oito profissionais envolvidos no desenvolvimento destes games, dois designers/artistas, cinco programadores e um sound designer. Nós passamos um ano no processo de desenvolvimento destes jogos, mas não passamos um ano trabalhando neles. Existiam muitos hiatos entre a entrega de material e as revisões da TV Escola. Se você perguntar efetivamente quanto tempo usamos para fazer estes jogos, eu diria que trabalhamos 3 meses de forma intensa. Para 3 meses de trabalho de 8 profissionais o projeto foi extremamente lucrativo para o estúdio. Mas para um ano de trabalho ele foi apenas bom. Para o nosso estúdio foi interessante justamente porque nossa equipe não atua em tempo integral no estúdio, então, no fim de tudo, acabou sendo interessante demais.
P’n’B – A arte das animações é muito rica, colorida e divertida. A equipe da Kaipora tem alguma liberdade para extrapolar a estética já criada pelos produtores originais ou precisa se manter à risca dos concepts originais?
RM – Nós tínhamos liberdade de criar o conteúdo necessário da forma que achávamos necessário, ou seja, elementos do jogo, cenários, animações, etc, mas claro seguindo a estética proposta e também as características e expressão dos personagens. Isso foi muito importante pra gente como profissionais de games (seguir uma estética definida), pois é uma tarefa que exige muita técnica, atenção e senso crítico.
P’n’B – Além dos 26 jogos que a Kaipora desenvolverá para o projeto, o estúdio realizará a consultoria para outros 39 jogos. Do que consiste esse trabalho?
RM – Este trabalho na verdade é só meu. Obviamente que o trabalho do estúdio foi importante para criar as bases dessa consultoria. O caminho de transformar as séries de TV em games, as engines, formatos, resoluções, tablets, Android, iOS, etc, etc, existem inúmeras questões que a TV Escola sentiu a necessidade de uma consultoria externa, da mesma forma como acontece com outros produtos da série. Então eu auxilio outros três estúdios responsáveis pelas outras três séries, dando alguns direcionamentos e apagando alguns incêndios.
P’n’B – Faltam mais iniciativas como essa no Brasil para alavancar o setor de games ou a proposta para consolidar o setor deve partir de outras premissas?
RM – Sinceramente, eu não sei bem o que é “alavancar o setor de games”. A maioria das agências de publicidade já tem advergames como peças a serem produzidas. Existem diversas iniciativas com games educativos, como estas da TV Escola. Também existem jogos brasileiros de entretenimento cada vez com mais qualidade e até chegando aos consoles. Sinceramente eu não sei existe uma ligação entre tudo e isso e quando poderemos dizer que “deu certo”. Isso tudo pode continuar, as empresas podem prosperar, e é capaz de alguém dizer que ainda não deu certo porque não temos um mercado local consumidor de games brasileiros, etc. Eu acho, claro, que o volume de iniciativas como esta e em outros nichos devem acontecer cada vez mais, mas não tenho certeza se uma é mais importante que outra. Já comentei numa palestra que devido ao contexto brasileiro eu não acharia estranho que o país se tornasse forte nos games educativos.
P’n’B – Seu filho Roan foi um dos playtesters dos jogos, segundo uma declaração sua. Que idade ele tem e qual a opinião dele em relação ao projeto como um todo?
RM – Meu filho tem 6 anos, perguntei aqui agora o que ele achou e ele disse ‘muito bom, nota 10’ hahaha pedi pra ele falar mais e ele disse que gosta dos episódios também, e que gosta mais de jogar os jogos no iPad, hahah (vale citar que eu pagava ele com LEGOs, pra não se configurar trabalho infantil kkk). Também testei os jogos com outras crianças, filhos de amigos e numa escola.
P’n’B – Até que ponto um estúdio independente pode considerar que não está tolhendo a própria liberdade de criação ao produzir um trabalho sob encomenda? Ou esse tipo de raciocínio não faz sentido no momento (e no país) atual?
RM – Esse tipo de raciocínio faz todo o sentido, principalmente se você quer ganhar a vida fazendo games. Parte do pessoal que trabalha comigo é ex-aluno de cursos de Jogos Digitais, então eles tiveram uma formação especialmente pra que ganhem a vida nessa profissão que escolheram. Só que a indústria e a profissão de desenvolvedor de jogos não está unicamente ligada ao mercado de jogos de entretenimento ou mesmo o mercado independente. Existem diversas maneiras de fazer dinheiro com games e isso faz parte do momento atual brasileiro de se descobrir fazendo games. Antes de mais nada, temos que ter uma atuação como empresa. É óbvio que existe todo um processo artístico e de expressão, mas isso tem que gerar receita de alguma forma. No nosso estúdio nós temos praticamente dois times, um com foco nos produtos próprios da empresa e outro que faz advergames e jogos educativos, pois independente da liberdade que você citou, nós pensamos na sustentabilidade do estúdio. Nos espelhamos muito no trabalho da Aquiris e na forma como ela vem pairando também sobre estes nichos. E na boa, nos divertimos muito tanto nos jogos sob encomenda quanto na nossa produção autoral.
O projeto, com os episódios, games e outros conteúdos pode ser acessado através da Tv Escola, em Tvescola.org.br/jurubebas.
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