A disponibilidade de recursos gratuitos ou a preços cada vez mais acessíveis tem permitido o crescimento exponencial de grupos de novos desenvolvedores de games, muitos deles iniciantes e mesmo assim, responsáveis por produções criativas e que fazem bonito frente aos jogos de mercado, como vemos em projetos recentes como Ninjin, da Pocket Trap, ou Like a Boss, da Fire Horse, para citar apenas dois exemplos. No interior de São Paulo, dois irmãos estão desenvolvendo o projeto MinosMaze, que começou com um estudo das possibilidades de criação da ferramenta Unity 3D e segue como um projeto elaborado, inspirado no mito do Labirinto criado por Dédalo para o Rei Minos. Estabelecidos em cidades diferentes, os irmãos Antonio Mathias Rüdiger Verona e João Francisco Rüdiger Verona, da RuVe GameStudio, produzem à distância o projeto, que demonstra boas chances de se converter um um jogo de nível profissional.
O Play’n’Biz conversou com os designers para conhecer mais detalhadamente o projeto e ouviu informações sobre o processo de trabalho, as dificuldades e limitações da produção independente e as expectativas em relação ao mercado.
PnB: O game explora o mito de Teseu no Labirinto de Minos, é isso? De onde partiu a ideia de resgatar a mitologia para criar o game?
Mathias: Correto. Quando pequenos, nosso pai sempre nos contava as diversas estórias da mitologia grega, portanto são lendas que fazem parte da nossa história. Especificamente o game começou como um exercício simples para aprendizado do Unity para plataforma Android. Neste momento não havia contextualização.
À medida que vimos o potencial do game, fizemos uma pesquisa e percebemos que não há games mais elaborados que retratem o mito de Teseu. A partir daí, reformulamos o conceito e o aprofundamos mais, para tentar recriar este mito específico.
João: A ideia consiste em explorar um tema com viés educativo, unir o entretenimento com aprendizado. Os contos helênicos sempre remontam a algum fato histórico transformado por sua cultura, e produziram os clássicos épicos que são a base dos heróis de hoje. Crescemos ouvindo aos mitos gregos, era sempre uma aula histórico-cultural, algo que fascina até hoje. Era onde residia a imaginação das pessoas da época, criando monstros e super-humanos, sempre com alguma moral ao fim. Nem sempre terminava bem, como efetivamente acontece na vida real, a ficção grega mostra que nossos heróis estão sempre propensos a errar, a serem humanos. Fomos à raiz, explorando com visão contemporânea a história.
PnB: Como funcionará a dinâmica do jogo? É possível pensar em algo no estilo de Doom, correndo e matando por labirintos e passagens, ou há outra estrutura de jogo?
JV: O jogo é o labirinto, do início ao fim. A intenção é te colocar na situação em que Teseu estava: entrar e sair vivo, ou morrer tentando. É um quebra cabeças com armadilhas e existem inimigos para cada situação. Às vezes, é difícil ter certeza do caminho, a graça é se perder, o desafio é se encontrar.
MV: O foco do MinosMaze será o labirinto em si e na dinâmica própria dele. Quando Teseu entra nos corredores do labirinto, o controle do jogador mudará de modo a facilitar a jogabilidade na plataforma mobile: o personagem passa a mover-se automaticamente pelo caminho, enquanto não houver escolhas e, quando houver, o jogador irá optará por seguir um caminho ou pelo outro. Quando em ambiente aberto, o controle da movimentação e direção é livre pelo jogador. Durante os combates, o jogador poderá se focar em um inimigo ou outro, assim a movimentação será no sentido do ponto de foco ou tangente a ele.
Acredito que o que diferencia MinosMaze dos jogos estilo de Doom é que não será focado tanto no combate. Os combates serão intervalos na exploração do labirinto, que é uma forma de manter a atenção do jogador. Apesar de não ser o ponto principal do game, daremos atenção aos oponentes e suas IAs para que sejam desafiadores.
No level design, a cada fase iremos adicionar novos elementos ao labirinto: como exemplo, as paredes se moverem (o que muda a configuração dos caminhos já percorridos), ou mesmo as paredes serem formadas dinamicamente conforme movimentação do jogador.
PnB: O mito de Teseu é um conto complexo, que envolve a saga heroica do personagem, seu envolvimento com Ariadne e outros elementos. Haverá uma história para o jogo baseada na narrativa clássica?
JM: O jogo é baseado na história clássica, os fatos narrados são basicamente os mesmos, optamos não modificar a estrutura para manter fiel à ideia de incentivar a curiosidade ao conto. Contudo, tomamos a liberdade poética de construir nossa versão do que acontece do momento que se entra no labirinto até a sua saída.
MV: Na introdução do game será apresentada parte do mito, como a Ariadna ajudando Teseu com o novelo de linha. Também haverá, no decorrer do jogo, algumas referências sobre o mito da origem do Minotauro. O game também conta com o objetivo secundário de encontrar todos os outros 13 jovens que foram trancados junto com Teseu no labirinto.
As estórias da mitologia grega em geral se desdobram em múltiplos significados. Em específico, o que achamos interessante neste mito, são:
– Teseu liderando os jovens gregos a vencer Minotauro: representa tanto os pequenos vencendo o grande, quanto a civilização contra a barbárie (sob o ponto dos atenienses, claro);
– O uso da inteligência (representado pelo o uso do novelo de lã dado por Ariadna) para resolver problemas extremamente difíceis (como o labirinto);
– O labirinto é uma representação da própria mente humana, onde ficam guardados seus medos (representados pelos monstros), portanto Teseu vencendo o labirinto e seus monstros é uma representação da superação dos medos.
PnB: Temas de games inspirados em mitologia clássica ainda podem se mostrar instigantes e inovadores? Como vocês imaginam que o público receberá o projeto?
JM: Creio que tudo que se referir à história aguça nossa curiosidade, tudo que puder ser mostrado de outra forma vale a pena ser visto, não há uma visão única.
O processo de aprendizado dos acontecimentos é justamente a repetição de sua narrativa. Um jogo nunca é igual a outro, assim como uma história nunca é contada da mesma maneira.
MV: A mitologia é uma fonte de inspiração inesgotável, para games, filmes e outras mídias. Acredito que haverá receptividade positiva do público que conhece o mito e aqueles mais novos, que ainda não tiveram tanto contato. Mesmo com o projeto em desenvolvimento, até então tivemos em geral feedbacks positivos.
PnB: Há quanto tempo o projeto está em elaboração? E qual a previsão para o lançamento?
MV: Faz aproximadamente 1 ano que começou a ser desenvolvido, porém, durante este período, nem sempre conseguimos dedicação full time, devido outros projetos em paralelo que ajudam a pagar as contas. Inicialmente achei que resolveria tudo em 3 meses, depois 6, mas de 2 anos não passa (rs). Só será disponibilizado quando tiver certeza que a jogabilidade, performance, gráfico e todo resto está adequado ao público. Enfim, faço questão de entregar algo de qualidade.
A estimativa é lançar até Junho/2015.
PnB: A equipe do estúdio esteve no Unite em 2013. Como foi a receptividade da Unity, do público e de outros desenvolvedores?
MV: Participei do Unite 2013, mas não houve apresentação ao público geral, somente conversas com o pessoal nos corredores (só se alguém copiou MinosMaze e não estava sabendo rs). Procuro sempre participar do SPIN e apresentar o projeto ao outros designers e desenvolvedores. O feedback obtido nestes eventos ajudou a evoluir bastante a jogabilidade do game. A receptividade está sendo positiva também com o público geral.
PnB: O efeito utilizado na elaboração da arte torna as imagens difusas, fugindo do hiper realismo dos games atuais e da cartunização característica de alguns projetos. O que você pode dizer sobre a concept art do game?
MV: Acho fantástico os gráficos hiper-realistas que as plataformas recentes conseguem prover. Porém, vejo que existem ao menos 2 custos a serem considerados:
– Objetos extremamente elaborados exigem muito mais tempo de trabalho do que modelos mais simples (lowpoly), isto significa ou um tempo maior de projeto, ou uma equipe de artes maior.
– Os dispositivos móveis que dominam o mercado atualmente ainda possuem um poder de processamento gráfico limitado e esta é a faixa onde o game deverá rodar.
Desta forma, fica inviável trabalharmos com a arte hiper-realista e acredito que o sucesso de Minecraft é um exemplo de que a jogabilidade bem elaborada tem um peso muito maior do que um gráfico bonito. Também optamos por um estilo cartoon, porém sem infantilizar o game.
JV: A plataforma para celular exige que se mantenha o foco mais na ação do que nos detalhes. A gente quer um jogo limpo, concentrado na sua própria dinâmica mais do que no apelo visual.
PnB: Da mesma forma, a escolha das cores causa a impressão impactante de auto contraste em alguns momentos. O que levou a equipe à escolha dessa estética?
MV: Acabou sendo por acaso, achei interessante o efeito que conseguimos com alguns ajustes no shader Toon padrão do Unity e exatamente conseguir chamar atenção através do contraste obtido.
O desafio agora é conseguir diminuir ao máximo a demanda de processamento necessária para o uso deste efeito no game todo. Vale ressaltar que o que estamos divulgando não é o produto final, portanto poderá haver modificações até seu lançamento.
Para as cenas 2D do game que contam parte do mito, utilizamos um estilo visual semelhante aos vasos gregos, onde o contraste é extremamente marcante.
PnB: Quantas pessoas estão diretamente envolvidas no projeto e como o estúdio se mantém em relação aos custos de produção?
MV: Eu faço o game design, level design, programação, artes 3D etc. O João é responsável pelas artes 3D e sonoplastia. Contamos com colaboração do José Osmar que fez as artes 2D e além de outras pessoas com colaborações pontuais.
Fizemos investimento em equipamentos (PC, Mac e equipamento de gravação de sons) e licenças de softwares. Por enquanto, os investimentos têm sido feitos por mim e pelo João com capital próprio.
Trabalhamos remotamente. Eu fico em Limeira/SP em um espaço cedido no escritório onde 2 amigos possuem uma empresa de consultoria e desenvolvimento em TI. O João fica na casa de nosso pai em Lins/SP.
PnB: Qual é o modelo de negócios previsto para o projeto?
MV: O game será disponibilizado nas lojas virtuais das plataformas Android e IOs a um preço a ser estabelecido. Optamos por este modelo tradicional e não o “freemium” por acharmos que pode estragar a experiência do jogador neste game específico.
PnB: Qual a tecnologia utilizada no projeto?
JV: Utilizamos ao máximo softwares livres (Blender 3D, Gimp, Inkscape) na elaboração do game. Hoje em dia, qualquer um que disponha de tempo e paciência pode ser um desenvolvedor ou artista, basta se dedicar. Às vezes as pessoas têm boas ideias mas não conseguem colocá-las em prática. As ferramentas estão ai.
PnB: O que falta, portanto, para o projeto finalizar com a qualidade pretendida pela equipe?
MV: Estamos procurando pessoas de Limeira, Piracicaba, Americana e região que estejam dispostas a juntar ao time. Em especial estamos procurando artistas 3D para modelar cenário e personagens. Quem tiver interesse entrar em contato pelo e-mail amverona@ruvegamestudio.com.
O desenvolvimento dos trabalhos da RuVe GameStudio pode ser acompanhado através da página de Facebook, acessível por meio desse link: Facebook.com/RuVeGameStudio.
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