Games são responsáveis pela cognição do público com interações digitais e espaços virtuais, de jovens à terceira idade

Desde a criação dos primeiros computadores até o o momento de introdução da interface gráfica em escala comercial, o uso dos sistemas digitais esteve restrito ao seleto grupo de experts capazes de dominar a mediação com estes recursos por meio da linguagem binária das programações informáticas, situação que limitou imensamente a interação do grande público com estes equipamentos. Foi somente com a disponibilização da interface gráfica, de fato, realizada pela Apple (embora não tenha sido a empresa de Steve Jobs a verdadeira inventora do sistema), que jovens e adultos puderam acessar a compreender o funcionamento da computação e a lógica dos sistemas digitais. Mas nenhum outro recurso foi e tem sido capaz de realizar esta tarefa de ensinar a interação com o universo virtual (o ‘ciberespaço’ idealizado por William Gibson) como o fazem os videogames. Não por acaso, aliás, o autor revelou que sua inspiração para a criação do termo viria não da internet, mas dos games, como explica Roger Tavares, citado nesse artigo.

Em sua obra ‘Vídeo Games – História, Linguagem e Expressão Gráfica’, Alan Richard da Luz, estabelece uma interessante relação entre os jogos digitais e a absorção do conhecimento tecnológico por eles proporcionada, ao assegurar que “O vídeo game é uma nova mídia que ajudou a revolucionar a maneira como lidávamos com o computador, desenvolveu nossa cognição […] nossa percepção físico-espacial e ampliou a relação dos indivíduos com os meios digitais” (2011). O professor não está sozinho nesta afirmação e não são poucos os autores que encontram nas mídias de games um caminho para o aprimoramento de nossas cognições gerais. Também em 2011, Steven Johnson, faria ponderações similares ao apresentar a seguinte ideia: “Imagine um garoto de dez anos de idade que de bom grado imerge no mundo de Zelda. Para ele, a luta pelo poder sobre o sistema não parece uma luta. Ele decodifica o cenário na tela – adivinhando as relações causais entre ações e resultados, construindo hipóteses de trabalho sobre as regras internas do sistema – desde antes de aprender a ler” (p.131). O pensamento do pesquisador está alinhado com as ideias apresentadas por Ted Friedman já em 1999, que explica que ‘pensar como o computador’ significa raciocinar em conjunto com a máquina em tempo real, tornando-se uma extensão do processo computacional. Em seu artigo Civilization and Its Discontents: Simulation, Subjectivity, and Space , Ted Friedman considera que o prazer de vivenciar as experiência proporcionadas pelos jogos de computador “está em entrar em um estado mental semelhante ao do computador, respondendo automaticamente [como ele]… O resultado é um estado semi-meditativo, no qual você não está apenas interagindo como a máquina, mas mesclando-se a ela”. Por meio dos games, portanto, passamos a compreender a lógica interna da programação dos sistemas computacionais, as relações de interação com o virtual e a virtualidade das simulações dos ambientes modelados digitalmente.

Esta construção de uma realidade virtual e, mais importante, a experiência incomum, aleatória e rizomática vivenciada nestes ambientes imersivos digitais, longe de tratar-se de um devaneio contemporâneo, tem suas raízes firmemente estabelecidas no cerne da cultura ocidental, como já estabeleciam os estudos de Aristóteles, que prenunciava a importância de imergirmos em uma realidade artificial, em uma purgação catártica de nossas emoções. O pesquisador Junito de Souza Brandão confirma este pensamento, em seu trabalho de 1995, Teatro Grego: Tragédia e Comédia, afirmando que para Aristóteles todas as paixões, todas as cenas e mesmo o desfecho trágico são mímese , isto é, uma imitação do real e, como tal, apresentadas por via do poético, de forma que não se dão no contexto de sua natureza trágica brutal, uma vez que não são reais, pois se materializam no plano artificial, mimético. “Não são realidade, mas valores pegados à realidade, pois arte é uma realidade artificial”, define o autor. De fato, Aristóteles ratifica a ideia em seus textos ao postular que “suscitando a compaixão e o terror, a tragédia tem por efeito obter a purgação dessas emoções” (334 a 323 a.C.).

Um dos aspectos indubitavelmente mais interessantes da imersão e das possibilidades experienciais no virtual reside justamente no que o pensador grego define como ‘purgação das emoções’. Esta percepção está alinhada aos princípios identificados por Chris Crawford, acadêmico e designer de jogos desde os tempos do computador Atari 400, que acredita firmemente que os games, longe de acarretar danos ao interator, são um caminho para o conhecimento de vivências, situações e sensações que dificilmente seriam adquiridas de outra forma no cotidiano da grande maioria dos cidadãos urbanos da atualidade. Crawford atesta em seu livro The Art of Game Design, de 1982, que “Um jogo é um artifício para fornecer as experiências psicológicas de conflito e perigo, excluindo suas consequências físicas […] uma maneira segura de experimentar a realidade. Mais precisamente, os resultados de um jogo são sempre menos severos do que as situações criadas nos jogos. Um jogador pode explodir monstros o dia todo sob o risco único de perder apenas o dinheiro da ficha” (p. 14).
Claro que, ao apresentarmos o sempre controverso tema do binômio Games X Violência, corre-se o risco de abrir espaço para as opiniões em contrário, que enfatizam que o entretenimento digital pode ser um condutor para comportamentos agressivos e socialmente impróprios. Para aplacar estas considerações, a pesquisa dos doutores Lawrence Kutner e Cheryl K. Olson, realizada em 2008 e transformada no livro “Grand Theft Childhood: The Surprising Truth About Violent Video Games and What Parents Can Do”, indica que o grau de entendimento dos jovens em relação a este universo ficcional é bastante elevado: “Uma descoberta encorajadora foi o quão sofisticada é a compreensão dos garotos em idade escolar em relação aos jogos violentos. Eles se agradavam de jogar com os ‘Caras Maus’, sem querer ser um deles [na vida real]”. Da mesma forma, a doutora Lynn Alves, autora de “Game Over: Jogos Eletrônicos e Violência”, de 2004, atesta que “a violência apresentada nestes suportes tecnológicos favorece um efeito terapêutico que possibilita aos sujeitos uma catarse, na medida em que canaliza seus medos, desejos e frustrações para o outro, para os personagens que permeiam o universo de imagens dos games”.

Os games não estão apenas facilitando nossa cognição com um outro ambiente que se descortina por meio do digital, mas afastam nossos fantasmas ancestrais sobre a violência e a agressividade e ajudam a estabelecer um novo diálogo com as relações interpessoais e as transformações do mundo contemporâneo.

Esse texto é baseado em palestra sobre Games e processos educativos, realizada no Meetup com o grupo Games for Change Latin America, na Fatec de Carapicuíba, em 27 de outubro de 2011.

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