Preconceito e machismo no mundo dos games são reflexos do pensamento da sociedade, diz Thais Weiller, produtora de jogos

Em um mundo dominado pelo pensamento opressor masculino sobre o gênero oposto, parece natural considerar reivindicações de qualquer ordem como afronta ao status dominante e o mesmo se dá quando, acuadas, as mulheres buscam fazer valer sua presença como profissionais respeitáveis nos mercados de trabalho, incluindo a produção de games. O já conhecido GamerGate, que teve início como um questionamento às práticas jornalísticas desse mercado e rapidamente transformou-se em assédio e perseguição na rede digital, é exemplo de como o pensamento médio de desenvolvedores e, mais ainda, dos jogadores, mostra-se incapaz de admitir o convívio saudável entre gêneros sem apelar para sexismos e uma visão ainda hoje prioritariamente machista sobre o papel da mulher na sociedade.

Bell Albuquerque

Bell Albuquerque

Recentemente, o fantasma do GamerGate reverberou no Brasil, fruto de nova polêmica gerada por uma reportagem da revista Galileu sobre o comportamento troll na rede. À ocasião, Thais Weiller, desenvolvedora de games do estúdio independente JoyMasher, afirmou que “uma faceta desse pessoal machista é achar que mulheres não gostam de jogos de verdade ou não sabem jogar”. Suas opiniões bastaram para despertar a ira de grande parcela da comunidade de jogadores (masculinos) brasileiros, que viu nestas palavras uma avalanche de ódio, como se não fosse verdadeiro o fato de a maioria dos jogadores adolescentes e jovens do país parecerem movidos a testosterona, objetificando as mulheres dentro e fora dos jogos, como afirmou, por exemplo, Bell Albuquerque ao Play’n’Biz em julho passado, relembrando que a “ofendiam de graça, com insultos de cunho sexual extremamente pesados”, apenas por portar nick, isto é, um codinome de jogo, feminino. “Até hoje, onde já me encontro num nível mais elevado de jogo, ouço desaforos o tempo todo”, desabafou.

Entramos em contato com a desenvolvedora por email para saber suas opiniões sobre a controvérsia dos recentes acontecimentos e recebeu respostas de denotam que a parcela masculina desse ambiente, sejam produtores, jogadores e até mesmo jornalistas, é ainda insensível e incapaz de entender o peso do preconceito que permanece no meio.

Play’n’Biz – Qual a sua opinião geral sobre o GamerGate? É, de fato, um movimento machista, feminista, ou estas visões são distorções da mídia?
Thais Weiller – O GamerGate, na minha opinião, começou como um movimento que queria não ter inclinação para machismo ou feminismo buscando o que seus seguidores chamam de ética do jornalismo de games. A problemática é que a gênese do movimento está em uma ação extremamente machista e babaca, que foi a publicação de informações privadas e íntimas sobre a vida de uma desenvolvedora mulher. Também, durante a existência do movimento muitas desenvolvedoras mulheres foram ameaçadas, constrangidas, tiveram informações pessoais publicadas na internet e sofreram muitos outros abusos. Assim, hoje, acho que qualquer um na internet tem histórico o suficiente para afirmar que o GamerGate como movimento age de forma machista.

P’n’B – Anita Sarkeesian, Zoë Quinn e outras profissionais do meio menos famosas são vítimas da intolerância e falta de tato da (imensa) parcela masculina de desenvolvedores, jogadores e jornalistas, incapazes de lidar de forma madura com a qualificação e a concorrência potencialmente gerada pelo sexo oposto?
TW – Pessoalmente acho que isso não é um problema exclusivo dos desenvolvedores de jogos, é um problema da nossa sociedade como um todo. Se a cultura dos jogos e do desenvolvimento de games é mais ou menos machista que o resto da sociedade não cabe a mim dizer, mas há sim uma cultura machista ainda no publico de jogos que é mais frequente do que eu encontro no desenvolvimento. Não que no desenvolvimento seja tudo perfeito, mas os problemas são menores.

P’n’B – O jornalismo de brasileiro games é amador em sua análise geral dos fatos que geraram a polêmica do GamerGate?
TW – O Jornalismo de games do Brasil assim como o desenvolvimento de jogos no Brasil ainda não é uma industria tão grande e consolidada como nos US, mas temos muitos ótimos profissionais. O que não temos ainda tanto é espaço para esses profissionais brilharem tanto.

P’n’B – Em sua avaliação de que maneira poderemos tentar galgar o nível de maturidade necessário para conviver de forma harmônica no ambiente profissional relacionado aos games sem que questões como a disputa de gênero sejam um tópico tão polêmico no cotidiano de todos?
TW – As pessoas como um todo (não só na indústria de games) precisam se informar mais e respeitar mais o espaço um do outro. A maioria dos casos de desrespeito ocorre por que a pessoa que ofende não consegue se colocar no lugar da pessoa que é desrespeitada e assim não consegue entender o que há de ofensivo em sua ação. É preciso mais respeito e mais esforço em compreender o próximo.

P’n’B – Falta ao público de jogos o exercício de uma reflexão mais objetiva sobre este caso?
TW – É menos uma reflexão e mais um desabado para quem apoia o GamerGate. O GG começou questionando algo interessante que é a ética no jornalismo de games (estou desconsiderando onde ele nasceu nesse momento). As pessoas que se interessam sobre esse assunto deviam pesquisar sobre a questão da ética no jornalismo como um todo (há uma exteeeeeeensa literatura no tema) que pode ser útil para perceber que essa é uma questão constante em todo o jornalismo, se não em toda produção intelectual humana. Em vez de participar de um movimento que tem um histórico de causar tanto problema e tristeza para tanta gente, por que não usar seu tempo com algo positivo em relação a isso?

Certamente, há muito a ser transposto para que as mulheres, na sociedade e também no mercado de jogos digitais, possam disputar terreno com o sexo oposto de forma equânime, vencendo as barreiras invisíveis mas sólidas que permanecem nas relações de trabalho e poder. Não fosse assim, seriam outros os dados das Estatísticas de Gênero – Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010, que mostram evidentes distorções de condições de trabalho e reconhecimento profissional para as mulheres no Brasil, como o fato de os homens receberem em média R$ 1.522 por mês, contra R$ 1.123 para as mulheres, ou a avaliação de apenas 7,7% dos 73.901 cargos diretivos no país serem ocupados por mulheres.
“Talvez quando isto for mais equilibrado, não teremos tantas Gamerzgurlz ficando famosas por aí só por terem um par de mamas super desenvolvidas e saberem o que é Halo”, afirmou Thais, em entrevista ao BIG. O Play’n’Biz assina embaixo.

1 comentário a "Preconceito e machismo no mundo dos games são reflexos do pensamento da sociedade, diz Thais Weiller, produtora de jogos"

  1. Gabriel Allan | Março 13, 2015 às 1:51 am |

    Ótimo texto. O pior é saber que grande parte dos que criticam o feminismo na indústria ou que defende o GamerGate não vai se interessar em ler isso ou nada que tenha respeito ao tema, assim fica difícil conscientizar esse pessoal.

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