Empreendedor de sucesso na área de Jogos dá dicas para viabilizar um grande projeto

O mercado brasileiro de produção de games começa a se estruturar, com algumas poucas empresas já estabelecidas e outras em busca de consolidação. O problema mais comum encontrado em tais estruturas reside no fato de seus criadores não atentarem para questões ligadas ao processo administrativo e às questões relacionadas à produção, custos, tempo de execução, comercialização etc. Para buscar soluções para estas dúvidas, o Play’n’Biz conversou com André Luiz Silva Negrão, idealizador e produtor do jogo Duelo de Dados e do projeto Anjos & Dragões, a ser lançado brevemente. André Negrão falou de sua experiência com o mercado de produção de jogos e apresentou informações valiosas para minimizar os problemas das produções nacionais. Confira o artigo.

Play’n’Biz – Você mostra bom domínio de informação sobre o processo de produção de jogos a partir de sua viabilidade econômica e com vistas ao retorno financeiro, sem perder a qualidade do design de games. Como um desenvolvedor brasileiro consegue angariar essa qualificação profissional?
André Luiz Negrão – Tal qualificação é fruto de muito estudo, de todas as fontes disponíveis. Como cursos de jogos ainda são extremamente técnicos, focando na produção em si, o conhecimento sobre mercado de games vem da leitura de revistas de games, matérias online e livros sobre Game Design e mercado de jogos. O conhecimento sobre Empreendedorismo, Administração e Marketing geral também é importante. A internet é uma grande rede de informação e é possível conseguir muito material a baixo custo. É preciso ser autodidata.

P’n’B – Qual é o caminho para esse entendimento sobre processo e mercado?
ALN – É importante ver a produção de games como um produto. Todo o trabalho e material gasto na produção do jogo têm um custo multiplicado por seu tempo de desenvolvimento.  Esse custo deve ser balanceado com a expectativa de venda, preço final e formas de distribuição. Não se trata de criar jogos como uma experiência abstrata e sim criar um produto comercial que deve ser vendido. Isso significa que decisões sobre Game Design, arte e narrativa devem estar adequadas ao projeto de vendas. O desenvolvedor deve se colocar no lugar do cliente e se perguntar sinceramente se ele compraria o próprio jogo, pelo preço estipulado, considerando todas as outras opções de compra do mercado, inclusive aqueles jogos que podem ser obtidos de graça.

P’n’B – Não faltam profissionais com boas ideias para jogos. Onde eles pecam e quais os erros mais comuns de gerenciamento de um projeto do gênero?
ALN – No mercado é comum citar o brasileiro como altamente criativo, mas não como inovador. O criativo é aquele que tem ótimas ideias. O Inovador é aquele que consegue transformar a ideia em valor, aplicando-a.
O brasileiro peca em idealizar seu projeto de jogo como algo separado da jogabilidade. Ele pensa no tema, no estilo de arte e na narrativa, mas com a jogabilidade sendo uma cópia, muitas vezes piorada, de um jogo estrangeiro qualquer.  Tirando raras exceções, não se escuta falar sobre um jogo nacional que inovou em jogabilidade.
O erro mais comum de gerenciamento é não mensurar o que se pode fazer com o dinheiro e o conhecimento intelectual disponíveis, visando um produto comercialmente viável. Isso significa fazer um jogo FPS 3D mediano, quando poderia fazer um shooter 2D excelente. É preciso fazer algo que venda com os recursos disponíveis. Em vários casos, menos é mais, e o mercado tem recompensado jogos que seguiram essa visão.

P’n’B – Como estruturar uma ideia para transformá-la em um projeto consistente que possa ser viabilizado como tal?
ALN – Primeiro eu penso em um “Core Gameplay” que é a mecânica básica do jogo. Aquilo que os jogadores vão fazer a maior parte do tempo durante o jogo. Esse “Core Gameplay” pode ser uma ideia ampla como “quero que os jogadores rolem dados e decidam o que fazer com os resultados”. Repare que a ideia central é focada na jogabilidade e não no tema, arte ou narrativa.
Com a definição da ideia central, eu começo a pensar como o jogo funciona de fato. Quais ações são permitidas, como serão os poderes das cartas, como é realizado o ataque, defesa, etc. Ao mesmo tempo, eu vou imaginando como será a distribuição do jogo. Quantas cartas e dados vão na embalagem, como organizá-los, quantas ilustrações serão necessárias, quais materiais extras devem ser produzidos, qual o preço para produzi-lo e o preço que deverá ser comercializado. É importante unificar a produção do jogo com a criação do produto para não correr o risco de criar um jogo épico com 300 cartas e não conseguir produzir nem comercializar. Nesse momento, eu já defino qual será o tema, estilo de arte e narrativa, caso possua alguma.
Tendo idealizado por alto todos esses elementos, e acreditando no potencial comercial do jogo, passo para o papel todos esses dados em um documento digital, geralmente Excel. Após uma lapidada, vejo se está tudo ok com as ideias para seguir em frente. Importante frisar que nesse ponto são descartados projetos comercialmente inviáveis, ou seja, ideias semi estruturadas que não têm capacidade de se tornar um jogo que consiga vender.
A partir desse ponto, eu estruturo a jogabilidade (cartas, dados), definindo seus poderes. Nesse momento também é feito o documento de arte, que define ao artista o que desenhar. Também é elaborada a narrativa do jogo de forma completa, caso exista.
Com tudo pronto, um material protótipo é elaborado e testes são realizados. Entra-se em um ciclo de testes e modificação de poderes e regras até concluir o desenvolvimento.
Finalizado o desenvolvimento, começa a produção física do material e a divulgação do jogo. Em seguida, iniciam-se as vendas e dá-se continuidade à divulgação do produto.

P’n’B – Como encantar, isto é, ganhar de fato a atenção de um potencial financiador para suas ideias?
ALN – O grande problema é que investimento em jogos é sempre algo bem arriscado. Por isso, é grande dificuldade em angariar fundos para a produção de jogos, mesmo com boa margem de lucro em caso de sucesso.
De qualquer forma, ganhar a atenção de um financiador é mostrar que seu projeto é capaz de gerar dinheiro a partir de um investimento menor. É necessário um projeto de negócios bem estruturado e definido, contendo os custos de tudo, expectativa de venda, preço final, formas de venda e distribuição, etc. Um mapa completo mostrando como fazer para transformar “x” em “2x”. O financiador precisa estar certo que está tudo pronto para recuperar o dinheiro investido com um bom lucro. Quanto menores os riscos e maior o lucro, melhor.

P’n’B – Você diz que uma bela apresentação visual e uma boa narrativa não são suficientes para garantir o sucesso de uma jogabilidade fraca. Existe uma estrutura base que possa ser considerada eficiente na criação de um jogo? Qual é o termômetro para esse processo?
ALN – O livro de Ralph Koster, A Theory of Fun for Game Design, nos mostra  que a diversão vem da superação de desafios mentais. Em outras bibliografias também nos é mostrado que jogos se tratam de escolhas interessantes. Baseado nesses conceitos, defendo que um modelo eficiente de criação é aquele que oferece desafios ao jogador por meio de diversas escolhas interessantes. Isso é particularmente mais fácil de adaptar em jogos de cartas e dados pelo fato de serem jogos completamente baseados em escolhas, não necessitando de simulações físicas, como seria em um FPS, Plataforma ou Luta.
O termômetro do processo é a diversão que o jogo proporciona quando você não insere nenhum de seus elementos estéticos. Quando você remove do jogo toda sua arte e narrativa, se o que sobrar conseguir ser realmente divertido, todo o material estético reforçará a experiência.
O Anjos & Dragões, que será meu próximo lançamento, surgiu como um jogo que seria desenvolvido para uma pesquisa. Após definir a sua estrutura básica, convidei um amigo para nos reunirmos no local onde aconteciam partidas de Pokémon TCG para testá-lo.  O protótipo eram cartas de baralho tradicionais, sem nada escrito, onde os números eram a força das cartas e os naipes definiam seus tipos. As letras eram poderes especiais, explicados na hora. Durante o teste, duas crianças do Pokémon viram o jogo e pediram para testar. Elas jogaram por quase uma hora, muito empolgadas, um joguinho incompleto com cartas de baralho tradicional. Naquele momento eu percebi que tinha um sucesso nas mãos.

P’n’B – O Brasil ainda não é um grande consumidor de jogos tradicionais de tabuleiro ou cartas. Como mudar esse quadro?
ALN – Em parte, a produção industrial define o que você vai jogar em determinado ano. Se em meados de 2002 você tinha um Gamecube, iria jogar plataforma, pois o que estava saindo era Metroid Prime, Zelda Wind Waker e Mario Sunshine. No ano seguinte, era melhor gostar de corridas, pois o que teria era F-Zero GX e Mario Kart Double Dash. O Consumidor tem escolhas do que jogar, mas uma escolha limitada pelo o que se tem disponível.
No Brasil o que se tem disponível é em geral o que a Grow e a Hasbro fornecem. Ele tem franquias fortes que vendem constantemente e em time que está ganhando não se mexe. Algumas empresas novas como a Galápagos e FunBox estão trazendo novos jogos, aumentando a gama de escolhas para o publico nacional.
Um passo para mudar o quadro é justamente mostrar ao consumidor que War e Banco Imobiliário já não são mais as suas únicas opções. Mostrar que eles podem jogar outras coisas. O próximo passo e mostrar a esses consumidores que os novos jogos oferecidos são tão bons quanto os de fora, e que podem ser ainda melhores.

P’n’B – A disponibilização de tanto conteúdo na rede é suficiente para aprimorar os profissionais de negócios na área de gamers ou é preciso algo além disso?
ALN – Essa pergunta é muito relativa. Depende muito do ponto que a pessoa pretende chegar e se o conhecimento que ela quer está ou não disponível na rede. A internet é um mar de conhecimentos, mas não podemos negligenciar a importância de um curso superior ou uma especialização presencial em administração de empresas, por exemplo. Cada pessoa deve definir seus objetivos e verificar o que se pode fazer com seus recursos financeiros.  A internet é uma ótima ferramenta, mas ficar no Facebook o dia todo caçando novidades não vai lhe gerar toda informação que precisa. Acredito que a experiência prática seja extremamente importante, então é bom balancear as notícias da rede com a mão na massa.

P’n’B – Qual a dica de ouro que você daria para quem está começando seu negócio de jogos/games?
ALN – Acumule conhecimento. Estude tudo o que puder sobre a área de seu interesse. Não importa se é programador, artista, Game Designer ou gerente de projeto, o conhecimento sempre será um diferencial na hora de produzir um jogo.
Outra dica, já mencionada, é, caso a criação do jogo dependa da sua visão de projeto, ter os custos muito bem definidos, saber quem é o seu cliente, o que ele quer jogar, e quanto ele está disposto a pagar por isso.
Conhecer a si mesmo e ao mercado faz diferença.

P’n’B – Qual a sua mensagem aos novatos que estão em dúvida se devem seguir carreira nessa área?
ALN – O mercado de games está em expansão. Virou uma indústria bilionária, e diversas pessoas passaram a almejar uma fatia desse mercado. O problema é que o número de pessoas querendo a fatia do bolo cresceu demais, ramificando o lucro do setor. O que está acontecendo é que poucos estão ganhando muito e muitos estão ganhando pouco ou nada. Se você deseja entrar nessa indústria, saiba que ela é altamente competitiva, muitas pessoas que entram não estão conseguindo lucrar, e o tempo de dedicação aos estudos da área vão limitar suas horas de tempo livre para jogar a quase nada.
Se realmente deseja entrar, saiba das dificuldades e estude muito para produzir algo acima da qualidade do que já está sendo feito. No Brasil, produção de games é sempre jogado no nível Hard.

Jogo Duelo de Dados, idealizado e produzido por André Luiz Silva Negrão

Jogo Duelo de Dados, idealizado e produzido por André Luiz Silva Negrão

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