O mercado brasileiro de jogos e games parece passar, nos anos mais recentes, por um desejo coletivo de realizações, seja no campo do desenvolvimento, como visto nas inúmeras iniciativas de jogos e projetos realizados e em busca de financiamento junto a investidores ou nos sites de fundo coletivo, seja na produção acadêmica, com uma série de pesquisas de graduandos e pós-graduandos, voltadas especificamente a esta linguagem, tanto no entendimento do jogo em seu caráter tradicional, quanto na cultura dos games.
Buscando mapear esse universo de produções literárias voltadas à compreensão do fenômeno ‘jogo’, um grupo de pesquisadores de Minas Gerais desenvolveu a revista acadêmica Mais Dados, que teve seu primeiro número digital lançado no início de julho passado. Rafael Rocha, pesquisador da FAPEMIG, Editor-chefe at Revista Mais Dados e Presidente da OSCIP Narrativa da Imaginação, conversou com o Play’n’Biz e explicou o excelente projeto, que visa servir como um canal de escoamento para os trabalhos acadêmicos e como referência para novos pesquisadores.
Play’n’Biz – O que é o projeto Mais Dados e qual a importância desse projeto?
Rafael Rocha – Mais Dados é uma revista científica, que visa apresentar um olhar crítico sobre jogos analógicos, junto a debates acadêmicos, reunindo as principais produções nacionais e traduções de maneira de criar um referencial teórico de pesquisa. Sua importância se enquadra como sendo a pioneira na América latina sobre o gênero, visto que o Brasil é o maior produtor de larp, rpg, e jogos de tabuleiro da América do Sul.
P’n’B – A revista se apresenta como um veículo acadêmico, que trata da cultura do entretenimento com um viés reflexivo e na contramão da mídia de mercado. Explique essa ideia.
RR – Muitos graduandos que buscam desenvolver trabalhos acadêmicos sobre essa temática (RPG, LARP, BOARDGAMES, ETC) ou até mesmo professores, não têm um referencial sério e claro; o que ocorrem são poucos livros escondidos e trabalhos acadêmicos soltos, mesmo com a internet, e não aparenta existir uma produção científica e pesquisa constante. A revista pretende apresentar com seriedade entrevistas, jogos, resenhas, traduções e artigos, que esclareçam, mesmo que parcialmente, o que e como o Brasil pensa sobre o assunto.
P’n’B – Quem são os pesquisadores que sustentam o caráter acadêmico do projeto e qual o trabalho que eles realizam nesse campo da cultura da ludicidade?
RR – Veja bem, não defendo nenhum teórico, pretendo mesmo é que com essa iniciativa os pesquisadores nacionais apareçam, para que seja possível conhecer e reconhecer quem são as mentes que desafiam debater essa temática, a revista organiza esses grupos, por isso mantemos um conselho executivo científico e um conselho consultivo.
P’n’B – Existe um público alvo para um projeto com esse perfil? Quem se interessa pela pesquisa acadêmico-científica sobre o universo dos jogos?
RR – O foco é atender diretamente a comunidade acadêmica e, logo após, os profissionais de instituições de educação básica, associações e empresas, pois são os que realmente se interessam pelos jogos devido a possibilidade de sua aplicabilidade e flexibilidade interdisciplinar.
P’n’B – Explique porque é importante e/ou necessária a criação e manutenção desse ambiente de jogos na atualidade. O que isso acrescenta à vida das pessoas e da sociedade de um modo geral?
RR – Atualmente, jogos são representação de cultura, mercado de trabalho, área de pesquisa, não são exclusivos para campeonatos e entretenimento. O jogar em si é uma linguagem que interconecta pessoas, e em uma sociedade excludente, conhecer diferentes instrumentos que permitam aos sujeitos se aproximarem, interagirem e produzirem novos saberes abre uma área para estudos aprofundados justamente para a melhoria na qualidade de vida, afinal, até então, podemos dizer que o jogar é um desafio à inteligência e à imaginação.
P’n’B – Em um mundo cada vez mais dominado pela realidade virtual e jogos com gráfico hiper realistas, porque ainda há quem defenda a realização de jogos e partidas nos tradicionais moldes do tabuleiro, das cartas e no modelo live action?
RR – Porque somos humanos, gostamos de contato, atenção, toque, beleza concreta. O virtual é também um canal para lidar com jogos porém de uma forma padronizada. Não descarto a validade do virtual, todavia, jogos analógicos nos permitem confrontar a própria humanidade, nos expormos, em um processo de se conhecer e reconhecer junto ao outro, compartilhamos símbolos, sensações que se tornam momentos sagrados para aquele pequeno grupo que partilha experiências. A defesa dos jogos analógicos talvez seja a defesa de uma linguagem de interação de experiências, em múltiplos níveis, de maneira tão rica, que merece a atenção da investigação científica.
P’n’B – De um modo geral, os jogos ainda são vistos pela sociedade e suas organizações como mero entretenimento, sem aplicações práticas e socioeducativas. Esse pensamento é equivocado? Porque?
RR – Acredito que seja pela confusão sobre a definição de jogo. O que é jogo? Futebol é jogo ou é esporte? Larp é jogo ou é arte? Se brinca de boneca ou se j 0ga de boneca? A sociedade restringe o jogar à infância sem compreender seus desdobramentos. Podemos pensar em um garoto que é agressivo na infância e como essa agressão pode se desenvolver na vida adulta, mas não se pensa muito em quais jogos a criança prefere e como estes gostos se desenvolvem, que formas tomam. O jogar é um processo muito vivo, compreendo-o como uma linguagem, outros pesquisadores enxergam como uma produção cultural, as definições são inúmeras. Todavia, a sociedade, como grande massa, desvaloriza o jogar por taxá-lo como “coisa de criança”, porem, se olhar com atenção, a principal diferença entre um adulto e uma criança é, grosseiramente dizendo, o tamanho do brinquedo. O jogar é uma coisa séria, deixada de lado, por não ser compreendida com clareza, devido a sua sutileza. O jogar se esconde no entretenimento, por que é divertido, mas habita todas as esferas da existência humana.
P’n’B – A revista tem periodicidade anual. Porque a opção por esse espaço de tempo entre cada edição?
RR – A opção de manter a revista anual, vem do tempo estabelecido aos pesquisadores para que desenvolvam artigos de qualidade, inicialmente a proposta era ser semestral. Entretanto, esse tempo também permite publicação de edições especiais com ênfase em simpósios, eventos ou quaisquer atividades que produzam um material ao qual seja interessante explorar ou focar em alguma temática.
P’n’B – Os artigos a serem submetidos devem ser inéditos, de acordo com a editoria de conteúdo do projeto. Porque não são aceitos trabalhos já apresentados em simpósios como o SBGames ou outros eventos focados no tema e que apresentam uma produção de conteúdo tão rica e possivelmente contributiva à revista?
RR – Sim, com todo rigor científico, devem ser inéditos e passarão por dois pareceristas cada. Conheço estes eventos, o formato é outro, os artigos que são exigidos no SBGames, não se enquadram em nossos parâmetros para publicação na Mais Dados (média de 15 páginas), por isso, nada impede que o autor reescreva o trabalho, segundo as normas estabelecidas pela revista, e reenviar.
P’n’B – Quem desenvolve o projeto e quem pode participar?
RR – A revista é desenvolvida pela ONG Narrativa da Imaginação, que também conta com uma editora de ebooks, registrada na biblioteca nacional. Dessa forma, convidamos qualquer cidadão que queira publicar artigos, traduções, jogos (no caso manuais), resenhas e entrevistas ou até mesmo livros de RPG, LARP ou cartas e tabuleiros print to play. Tudo isso gratuito, com produção e a distribuição, segundo as normas do site Narrativadaimaginacao.com.
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