Livro 'Vídeo Games – História, Linguagem e Expressão Gráfica', de Alan Richard da Luz, oferece informação de qualidade a preço justo

Ao longo dos últimos 10 anos, uma revolução vem acontecendo de forma crescente e consistente no mercado nacional de games.Se tomarmos como parâmetro o fato de, em 2004, contarmos com pouquíssimos lançamentos de games nacionais e ainda menos lançamentos de livros brasileiros sobre o tema, vemos que o salto em quantidade e qualidade tem sido expressivo e, de fato, bons livros têm chegado às estantes das livrarias para uma análise acurada desta ainda insurgente linguagem.

Entre os livros já disponíveis sobre o tema, destaca-se a obra Vídeo Games – História, Linguagem e Expressão Gráfica, do  professor de design de novas mídias Alan Richard da Luz, de São Paulo. Neste artigo, avaliamos o produto a partir de seus conteúdos, apresentação, projeto gráfico e consistência editorial, análise que pode ser útil para quem estiver em busca de uma boa obra para leitura já no início do ano.

A obra envereda pelo design de games, tecendo uma análise das estéticas dos jogos digitais de maior sucesso comercial e propondo a definição do game na categoria de linguagem artística e conceitual, a partir de diretrizes bem estabelecidas.  O livro é um lançamento propício para o panorama atual brasileiro, que passa a oferecer cursos de games com uma atenção mais consistente em relação à qualidade e conta com um bom número de pensadores e pesquisadores gabaritados sobre o tema, a exemplo de Lucia Santaella, Roger Tavares, Lynn  Alves, Mirna Feitosa, Marsal Branco e Daniel Gularte, para ficar apenas nos expoentes dessa nova leva de acadêmicos da cultura digital. O livro lança um olhar sobre o processo evolutivo dos games e foca sua atenção em questões pouco debatidas , mas extremamente importantes na criação de um game, com claro destaque para o contexto visual e o caráter artístico imagético dos games.

A apresentação
A edição espartana parece ter sido uma clara opção da editora em enxugar custos de produção, de modo a deixar a obra o mais barata  e, portanto,  acessível a um número maior de interessados, uma decisão acertada em um país onde a cultura tem custo tão elevado e a vontade de empenhar valores no saber é quase tão incomum quanto a disposição à leitura. O livro está à venda em sites da rede a preços inferiores a R$ 50, um valor bastante razoável em se tratando de mercado de livros no Brasil.

A opção pela economia, embora recheada de méritos, certamente tem sua contrapartida, a começar pela capa, branca, de arte simplória e sem acabamento em verniz ou plastificação. Seu resultado prático, a curto prazo, é o encardimento ocasionado pelo manuseio e, consequentemente, a perda do apelo visual à “fachada” da obra. Isso, certamente, não desmerece o trabalho e seu conteúdo, mas os amantes tradicionais de livros, como eu, se penalizarão do desgaste do produto e da má aparência resultante.

Na parte interna, o leitor confere 140 páginas de pesquisa em texto, com pequenas fotos em preto e branco. A maioria das imagens tem apenas função ilustrativa, aludindo aos games comentados no texto. Outras, porém, são importantíssimas para esmiuçar detalhes de construção das artes dos games, sprites de personagens e outros elementos.

O livro é dividido em três partes, conforme apresentado no título, e o autor, já acostumado a traduzir o teor didático de tais informações em um discurso fluído e palatável ao público por meio da docência acadêmica, elenca suas ideias de forma bastante clara e agradável.

O conteúdo histórico
A parte histórica, que abre o livro, é uma boa introdução aos novatos e faz um bom apanhado dos games de maior destaque ao longo dos 40/50 anos de criação e disponibilização desta mídia. Mesmo assim, as informações não devem exercer o mesmo efeito sobre a parcela de leitores já acostumados com os games e que puderam acompanhar esta evolução através dos próprios jogos e consoles, ou a partir de revistas especializadas e materiais mais técnicos. Os games apresentados e suas histórias são, em sua maioria, informações de conhecimento geral ou aspectos que o leitor poderia inferir por conta própria, estando atento ao movimento do mercado. Nesse sentido, um boa gama de livros (sim, eu sei, importados) apresenta pesquisas mais amplas ou, ao menos, informando sobre outros games menos famosos mas significativos, por serem precursores de tendências ou inovadores em vários aspectos do design de games, seja no conceito, seja no aproveitamento do hardware. De fato, já na apresentação do livro, Roger Tavares acerta com precisão cirúrgica ao observar que, assim como outros, o livro de Alan Luz apropria-se de um ponto de vista hegemônico, isto é, relatando os games de sucesso, ao invés de tentar investigar mais à fundo outros aspectos da cultura digital de entretenimento. “Por isso fico desapontado quando vejo, em pesquisas, teses e dissertações, que o principal, e muitas vezes o único fator para a escolha dos jogos selecionados, para tais textos, é a sua popularidade, além das suas altas vendas…”, escreve o Prof. Dr., logo na introdução.

Antes que o autor fique chateado, ressalto que isto não chega a ser um demérito, e entendo que o foco do projeto é outro, voltado a um público mais amplo, não necessariamente acostumado a seguir todas as tendências do mercado de games e, talvez, menos voraz que o desejado por leituras em geral; dramas cotidianos de uma nação em desenvolvimento…

O capítulo finaliza bem, com considerações extremamente oportunas, como as reflexões sobre os ambientes imersivos, proporcionados pelos consoles mais recentes, ou interfaces de interação dos sistemas de mapeamento espacial, como Wii e Kinect.

Tecnologia
Preparado para imergir nas acepções do autor sobre o instigante tema da linguagem (de acordo com o que sugere o título), deparei-me no capítulo dois com um novo recorte histórico da mídia, desta vez focado no caráter tecnológico e dedicado a apresentar as diferentes gerações de consoles produzidos. Não é uma opção de recorte desfavorável, visto que a questão foi vagamente abordada no encadeamento histórico do primeiro capítulo e merece destaque para a compreensão do processo evolutivo dos games e seus recursos, mas, ainda assim, demorei a me agradar de leitura, visto que as informações ali apresentadas já haviam sido maciçamente veiculadas pela mídia especializada nas ocasiões dos respectivos lançamentos e também são já bem conhecidas por estudiosos e pesquisadores da cultura dos games.
Apesar de um certo estranhamento inicial, o texto mostrou-se leve e instigante, com uma pesquisa bem elaborada, que analisa até mesmo aspectos relativos à qualidade de imagens e pixels gerados por cada plataforma, tornando bastante didática a compreensão deste processo.

O trabalho ainda se dedica à apresentação gráfica de diferentes lançamentos de consoles, ao indicar a atenção a elementos como menus e interface nos games de terceira geração, ao contrário família anterior, mais voltada à dinâmica que ao apreço estético (obviamente, fruto das limitações iniciais). O foco da quarta geração destina-se à profundidade narrativa dos jogos e, na quinta, à adoção do 3D e de uma física mais realista do que a até então produzida. Por fim, é apresentada a sexta geração, denominada “sintetizadores de realidade”.

É um capítulo breve, mas bem elaborado e com um texto facilmente compreensível e agradável na apresentação das informações, aproveitando com critério adequado várias opiniões de outros autores e tecendo considerações muito pertinentes. A meu ver, no entanto, ele é quase um apêndice do capítulo anterior, mas de grande qualidade.

Linguagem
Como linguagem, Luz defende que o vídeo game é um elemento crucial de alfabetização digital para o grande público, ideia também sugerida por Steven Johnson em “Emergência”, que aponta que as crianças da atualidade “estão mais bem equipadas do que ninguém para adotar o sistema de controle mais oblíquo do software emergente”, em razão do aprendizado adquirido com as tentativas e erros durante as muitas missões de Zelda e outros games. O autor cita a influência dos jogos de tabuleiro na alfabetização visual das interfaces metafóricas para o público e os primeiros experimentos eletrônicos, que somaram novas experiências no controle dos ambientes virtuais e nas dinâmicas do jogos.
O capítulo traça o estreito vínculo entre a linguagem gráfica dos games e do cartum durante um certo período, formando um “par perfeito” e envereda, mais à frente, pela representação imersiva dos jogos por meio dos avatares, elaborando considerações muito apropriadas e interessantes.

Embora cite a ideia de remediação das mídias digitais de entretenimento sobre os recursos narrativos tradicionais (um conceito que também defendo), senti que o embate seria mais rico com a apresentação de conceitos como ludologia e suas implicações diretas na jogabilidade e na estrutura narrativa dos games, conceito que não é abraçado no livro.

As referências do autor
Ainda que apresentados brevemente, há muitos detalhes sobre os games selecionados ao longo de todo o texto mas, em vários momentos, tem-se a sensação de que mais uma ou duas linhas teriam sido fundamentais para enriquecer o conteúdo. Está claro, porém, que não se trata de uma limitação do autor, mas de uma opção de recorte, visto que houve acesso e profundidade à pesquisa.

Ainda assim, alguns pontos apresentam informações pouco exploradas. Na página 24, por exemplo, Luz afirma que “Spacewar! foi o primeiro registro de uso do computador com uma interface gráfica simbólica, influenciando inclusive o desenvolvimento de interfaces gráficas”. Esta informação talvez seja parcialmente verdadeira, se considerarmos que um novo público, especialmente universitário, teve acesso pela primeira vez a esta nova cultura digital por meio do arcade. No entanto, o mérito pela introdução da interface gráfica simbólica por meio de computadores cabe, historicamente, a Ivan Sutherland, como nos mostra seu projeto pioneiro de 1962, “Sketchpad” (veja neste vídeo), alguns anos antes da criação de Slug Russel e amigos. Em um artigo, de 1965, o engenheiro elétrico e professor Sutherland escreveu: “Não há nenhuma razão para que os objetos exibidos por um computador tenham que seguir as regras normais da realidade física com a qual estamos familiarizados”, em clara alusão às possibilidades representativas do ambiente digital em direção ao universo onírico da fantasia (Link: http://citeseer.ist.psu.edu/viewdoc/summary?doi=10.1.1.136.3720).

Mais à frente, na página 32, Alan faz uma exposição competente dos diferentes tipos de hardware entre os consoles de segunda geração, como o Atari e o Intellivision, mas perde a oportunidade de aprofundar a questão, explorando as diferenças de conteúdo e criação das empresas rivais, algo que teria sido decisivo para se entender o sucesso de um sistema e o fracasso de outro. Um exemplo disso foi a sacada da Atari – que à época perdia terreno para a concorrência em virtude de um hardware extremamente limitado – em comercializar a versão doméstica de Space Invaders, uma decisão que redefiniu o mercado e deu novo fôlego ao console.

Na página 39, ao comentar sobre a revolução gerada por Pacman, o autor deixa de considerar importantes aspectos da cultura nipônica, como os Shōjo, uma estética de design típica da sociedade japonesa e criada especificamente para dialogar com o público jovem feminino, algo que Iwatani soube traduzir com maestria no jogo, com a adoção de ícones “fofos”, como os adoráveis fantasminhas e frutas como cerejas, morangos e laranjas, entre outros, além do próprio protagonista. Ainda que esta pareça uma informação paralela, o dado ajuda a identificar socialmente o motivo do sucesso (cultural, muito mais do que industrial) de certas plataformas e games, bem como permite compreender certos fracassos (também do ponto de vista identitário), a exemplo de Radar Scope, game bem sucedido no Japão e que quase quebrou a Nintendo of America, antes do toque de Midas de Miyamoto recriá-lo como Donkey Kong. Acredito que, com mais destes contextos sociais ou dados “de bastidores” a narrativa do livro se tornaria muito mais rica em detalhes e interessante, resultando em uma obra ainda mais agradável e convidativa à leitura.

Alan da Luz fez uma boa pesquisa por certos literaturas técnicas de qualidade, como “The Ultimate History of Video Games”, de Steven L. Kent (que eu recomendo) e “Trigger Happy”, de Steven Poole (outro clássico). No entanto, em vários pontos senti que a contribuição de um ou outro autor também renomado no meio teria sido de grande valia para complementar ideias e informações técnicas e/ou comportamentais. Ao avaliar a introdução da Nintendo no mercado de consoles, por exemplo, o texto do livro teria se tornado muito mais expressivo com o incremento das palavras de David Sheff, que explanou brilhantemente a saga da empresa em “Os Mestres do Jogo” (Game Over, no original em inglês). Da mesma forma, o texto tangencia a importância do lançamento do CD-Rom do PC Engine/TurboGrafx-CD, da NEC, ao citar que os games alcançavam “um novo patamar dramático” com esta nova mídia, sem citar um único jogo da plataforma. Ainda que o Sega-CD fizesse um uso muito mais criativo com as possibilidades de armazenamento e endereçamento aleatório proporcionado pelos CDs (e, mais tarde, o Sony PlayStation colocasse todos os consoles no chinelo), o console da NEC soube ambientar narrativas em games que cumpriam o expediente básico da multimídia, como no game Shape Shifter (1992), da ICOM Simulations, por exemplo. O livro “The Video Game Explosion: A History From PONG To PlayStation And Beyond”, de Mark J. P. Wolf, relata este momento singular dos games e informa que a “NEC foi a primeira a trazer a tecnologia do CD-Rom para o mundo dos consoles [como um acessório acoplado, porém o] TurboGrafx-16 só podia manipular truques básicos de games em 2D (como sprites e rolagem de tela em paralaxe) [e, infelizmente] seu trabalho e memória de vídeo (8 e 64k, respectivamente) não eram apropriados para as ambições multimídia da era do CD” (pag. 122). Ainda que pareça pouca coisa, estamos falando de um momento em que os games de 3D em tempo real ainda engatinhavam (a Phillips tentava emplacar seu curioso aparelho Cd-i e, nos PCs, a iD Software lançava o revolucionário e pseudo-tridimensional “Wolfeinstein 3D”) e quaisquer iniciativas que buscassem promover a imersão interativa com a insurgente multimídia parecia extremamente inovadora.

Ao comentar sobre o poder gráfico do ‘Mode 7’ do SNES, o trabalho de Luz não apresenta exemplos ou imagens que ajudem a compreender o conceito. Os games de tiro em primeira pessoa da iD Software também não são explorados no contexto do design ou das criativas soluções de programação de seus geniais produtores, um episódio notadamente descrito no livro “Masters of Doom”, de David Kushner, outro material que poderia trazer grandes contribuições para o livro.

Há outros pontos do gênero no livro nos quais, sob a minha perspectiva, outras citações teriam sido muito bem vindas, para melhor ambientar algumas ideias. Visto que se trata do resultado de uma pesquisa acadêmica, no entanto, imagino que parte destas decisões possam ter sido elaboradas a partir das impressões de seu orientador.
O livro finaliza tecendo considerações sobre a tendência dos games para a representação virtual cada vez mais realística do mundo referencial e as implicações lúdicas e estruturais dessa opção técnica, conceitual e estética.

Alan comenta a tentativa da linguagem dos games de apropriar-se da estética cinematográfica em busca do mesmo efeito dramático e observa que, com o alcance tecnológico do que denomina “Pixel invisível” (“indefinível em comparação ao interpolamento da imagem de tv, alcançando a invisibilidade”), o game aproxima-se ainda mais das outras mídias visuais.
Nas considerações finais, Luz comenta, muito apropriadamente, que o empréstimo da linguagem gráfica “dos vídeo games a outras mídias como o próprio cinema, a televisão, shows de rock etc., demonstra a maturidade expressiva dessa mídia, além de sua importância e influência cultural” e ressalta que a interatividade é uma característica fundamental dos games e estende as oportunidade de interação da nova linguagem com os demais meios de expressão artística tradicionais.

Apesar de pequenas inconsistências pontuais, o trabalho prima pela qualidade não somente de informação, mas de reflexões embasadas, levando o leitor para além da tabulação de dados históricos.

Artigo originalmente criado para o site GameCultura, postado em março de 2012 e atualizado para o Play’n’Biz

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