As ideias e declarações dos especialistas para entender o fenômeno da Gamificação

Há algum tempo, análises e pesquisas apontam um novo caminho para a sedimentação de conhecimento, cultura e aprendizado, por meio do uso de formas de interação lúdica, com jogos, brincadeiras e, mais recentemente, videogames.

Historicamente, no entanto, o processo não é novo e mostra que grandes personalidades como Jean Piaget, Ludwig Wittgenstein e Viola Spolin, entre outros, já encontravam nesses recursos os caminhos que poderiam conduzir ao aprimoramento do indivíduo ou sociedade. As recentes pesquisas, portanto, apenas comprovam a eficácia do processo.

Nos últimos anos, o fato vem sendo analisado a partir da introdução de dinâmicas e mecânicas recorrentes nas interações de entretenimento digital, isto é, dos jogos eletrônicos, que apresentam um surpreendente resultado nos processos cognitivos e na apreensão de conhecimento. A este fenômeno, vem-se denominando ‘gamificação’, que pode ser traduzido de forma sintética como a prática de recompensar e tentar engajar o maior número possível de pessoas em um mesmo objetivo, por meio de uma saudável competição lúdica. Jesse Schell, um dos maiores pesquisadores sobre o assunto, avaliou recentemente em palestra sobre o tema que “A gamificação é uma indicação de que as pessoas querem trocar seu cotidiano eficiente por um mais divertido e prazeroso”.

Este documento visa apresentar brevemente algumas considerações sobre a importância de aproximar o trabalho socioeducativo e cultural realizado pela instituição desta nova abordagem, de modo a aprimorar os processos, aproveitando o potencial dos novos meios para atualizar nossas realizações junto ao público.

Na educação também já se encontram projetos com a aplicação direta destas premissas, de modo a angariar o interesse e aumentar o rendimento dos alunos nas aulas. A designer de jogos e escritora Jeannie Novak afirma ser possível ‘gamificar’ as aulas, com a adição de recompensas e da competição saudável entre os alunos, incluindo a jogabilidade no ambiente escolar. “As ferramentas podem incluir qualquer coisa, como coleta [de itens], oferta de presentes, premiação e gestão de recursos para os desafios de alto nível, envolvendo habilidades de liderança e resolução de problemas”, afirmou a educadora recentemente em seu blog.

Vários projetos vêm apresentando resultados significativos, tanto na educação formal quanto nos trabalhos institucionais, a exemplo do processo educativo coordenado pelo professor Luciano Meira em Pernambuco, denominado Olimpíada dos Jogos Digitais e Educação (OjE) no qual, a partir de jogos inspirados em questões do Enem, Exame Nacional de Ensino Médio, os alunos são incentivados a pesquisar temas adicionais que contribuem para o aprendizado. Pesquisa recente do grupo revelou que 81% dos alunos participantes vêm estudando acima do habitual.

Jaderson Souza, Mestre em Jogos Digitais pela PUC de São Paulo, realiza outro trabalho pioneiro com alunos da escola pública, por meio da ONG Jogos pela Educação, com um processo educativo que envolve um ou mais profissionais ligados ao esporte em atividades idealizadas pelos próprios alunos e envolvendo videogames e esportes. A ação revela que a o número de inscrição de alunos nas práticas esportivas é sempre crescente após as atividades.

O designer Luis Vohn Ahn também apresentou, recentemente uma proposta colaborativa denominada Duolingo, que utiliza elementos de gamificação para a tradução conjunta de documentos da web e trechos de livros, oferecendo ‘pontos de habilidade’ e ‘barras de vida’ ao usuário, como em um game de RPG.

Francisco Velasquez é professor de História e Coordenador de Novas Tecnologias Digitais na Secretaria de Educação Municipal do Rio de Janeiro, à frente do projeto Educopédia, plataforma online colaborativa de aulas digitais, que se utiliza, em grande parte, de jogos para a sedimentação do conhecimento. “Depois que já ensinei a matéria e preciso trabalhar o assunto de forma lúdica, uso os minigames para reforçar o conteúdo que foi dado”, disse, em recente entrevista.

Muitos outros projetos seguem no Brasil e no mundo, atestando a importância na adoção de princípios de ludificação e gamificação para sedimentar conhecimentos e fidelização de audiências.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a ludificação trata da incorporação dos preceitos da ludicidade pelos processos de aprendizado, seja na educação formal ou em treinamentos técnicos. Para o já citado especialista em gamificação Jesse Schell, a novidade pode ser vista como uma “revolução pelo prazer”, em oposição à mecanicista Revolução Industrial.

Para Jane McGonigal, pesquisadora do Institute for the Future, os games proporcionam um estado de felicidade por oferecer certa sensação de controle e recompensas imediatas, diferentemente das realizações do cotidiano.

Em seu livro  Reality is Broken a profissional afirma que os games produzem uma sensação de conectividade, engajamento e inspiração, que não encontramos no cotidiano, daí o crescente interesse de jovens e adultos pela mídia como um fator gerador de felicidade. Para a autora, o trabalho e a escola são ambientes nos quais os desafios são impostos por terceiros, com objetivos e recompensas nem sempre claros. Contrariamente, nos jogos, estamos voluntariamente imersos, com progresso e recompensas identificáveis, o que ajuda a suprir nossas necessidades.

Gabe Zichermann, autor de obras como “Game-Based Marketing” e “Gamification by Design”, tem se destacado, por uma visão empreendedorística e objetiva em relação às potencialidades da gamificação. Na palestra “The Year of Gamification”, recentemente realizada em Bruxelas, Zichermann advertiu que, das 2.000 maiores empresas do mundo, 70% entrarão no processo de gamificação até 2015. “Técnicas de jogos podem incentivar uma vida saudável, melhorar a educação, conscientizar e até promover produtos”, afirmou.

Em Estocolmo, capital da Suécia, em projeto voltado à cidadania, a montadora de veículos Volkswagen testou um sistema de radares que identifica motoristas com velocidade abaixo do permitido para concorrerem a prêmios de uma loteria, realizada com o dinheiro arrecadado pelas multas aplicadas aos motoristas mais apressados e desatentos. Os resultados são promissores e parecem indicar caminhos para a educação no transito das grandes cidades.

Por fim, em sua edição de setembro de 2010, a revista Fortune observou que “como os gamers e os desenvolvedores já descobriram, a diversão acoplada a um sistema de incentivos ou recompensas para tarefas cumpridas adequadamente pode ser algo tremendamente envolvente. Com a gamificação, empresas estudam e identificam as tendências humanas naturais e empregam mecânicas de jogo para oferecer aos consumidores a sensação de que estão se divertindo enquanto trabalham, através de objetivos baseados em recompensa. Assim, esperam que o valor agregado possibilite uma mudança comportamental positiva em um amplo espectro de questões não relacionadas aos jogos, como a saúde, finanças, filantropia e estilo de vida”.

A produção de jogos convencionais e digitais direcionada para fins mais amplos e socialmente colaborativos do que a simples diversão apresenta possibilidades ainda inimagináveis para os atendimentos socioeducativos e culturais. Compete aos órgãos e instituições saber aproveitar estas oportunidades.

Imagem de Mark Barnes, do site http://www.brilliant-insane.com

Imagem de Mark Barnes, do site Brilliant or Insane

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